Um político inesquecível | por Iron Junqueira
Estava eu sentado no degrau à porta do jornal Tribuna de Anápolis, quando um cidadão magro como um caniço, alto e esguio, montado numa bicicleta, breca seu veículo com o calcanhar raspando na calçada. Cabelo liso penteado para trás, roupa simples, calça e camisa de linho, traje claro. Desceu da magrela, chegou onde eu estava e disse: –– Me dá um jornal de hoje? Não dava para ninguém definir o mais magro: se a bicicleta ou seu dono, nosso querido amigo João Rosa, simples vendedor de mercadorias a armazéns.
Conta-se que chegando à loja de seu cliente que havia lhe pedido “1 O 2” penicos. João Rosa anotou, claramente, assim: “um ou dois” (102). Trinta dias depois o comerciante recebeu sua mercadoria. Era uma caixa imensa, de madeira, pesada. Desceram-na do caminhão do Expresso Mineiro. Tanto o comprador quanto o vendedor coçaram a cabeça sem entender que compra teria sido aquela. Ao abrir o volume eram os cento e dois penicos. João Rosa e o turco, seu freguês e amigo, olharam-se perplexos, recíprocos, e foram conferir a Nota Fiscal: cento e dois urinóis. 102. Certinho né? Conferiram ambos. “–Mas esse “bessoal barece” não saber fazer conta!” E João complementou “–Gente do “interiorrr” de São Paulo não acostuma, mesmo, com o nosso vernáculo”. “–– Eu só queria “uma ou dois “penicas!” e chegaram pra população toda”?!” Encabulou-se o sírio. O João Rosa conferiu seu pedido e o mostrou ao cliente. –– Pode contar Seu Salomão, ói: 102 penicos: um, zero, dois! “–– É… Eu estou vendo. Você “fazeu” certinha!” E Seu Salomão, recolhendo as duas unidades que pedira, autorizou o Expresso Universo levar e devolver os 100 mictórios.
A cidade era pequena e todos se conheciam. João Rosa era vendedor de utensílios domésticos, conhecido e muito estimado. Gostava de jornal e – quem diria! – politicar. Era bondoso e muito inteligente. Um dia ele para com sua bicicleta em frente ao “Café do Antônio”, frequentado por todo mundo, políticos, populares, bêbados, médicos, gente boa e gente à toa. Mas todo mundo ia lá beber o cafezinho do Seu Antônio Fernandes e Deusdete o “Pirinopi-lá”. João chegava arrastando o calcanhar na calçada com o bico do seu pezão apontado para cima, brecando sua bike.Escorou a magrela no meio-fio e entrou na cafeteria. Bebia seus goles de saboroso Rancheiro enquanto conversava com todos. Na hora captei os traços fisionômicos do vendedor e fiz um desenho dele montado na bicycle com seu corpo emborcado para frente e seu rosto bem definido. Era uma caricatura de persona inconfundível. Quem ia bisbilhotar o que eu fazia, logo exclamava: “– Nossa! É o João Rosa!!” E outras pessoas queriam ver. Nisto, um político esperto, de visão, teve uma eureca e me disse: -Iron, tem como fazer um clichê do desenho? Você entra com a publicidade e eu com quinze mil santinhos dessa caricatura; apressei no slogan: “João Rosa em seu gabinete volante”. E seu patrocinador adiantou: – Acrescenta debaixo dessa frase: “Para vereador”. Com autorização do amigo do João mandei a Funtmod (SP) providenciar a fundição em zinco e, no prazo de uma semana, a encomenda chegou de São Paulo e a entreguei ao político que mandou imprimir quinze mil panfletos do desenho. Mas fez furor a propaganda do João Rosa, a ponto de despertar a curiosidade de Geraldo Tibúrcio, cuja caricatura ficou rica de personagens, pois eu desenhei um comício cujo público era constituído de políticos e pessoas interessantes de Anápolis. No meio delas a figura do também candidato à edilidade. Só ele se destacava pelas suas características de raça, chamando o público com a frase: “Não vote em branco. Vote em Tibúrcio”. E seu folhetinho se mesclava no meio do povo junto com o do João e do Doutor Onofre Gin da Cunha, que também recorreu à caricatura que fizemos para sua candidatura a deputado estadual. Ele e sua metralhadora em punho com balas fazendo curvas e atingindo seus adversários. Ficou boa a propaganda devido à figura caricata do polêmico candidato que – pareceu-me – queria apenas zoar e o povo não aprovara a mensagem do desenho dos seus panfletos.
Enfim, João Rosa foi eleito com a maior votação daquele pleito; e foi reeleito não sei por quantas vezes mais. O que eu soube posteriormente é que meu amigo da bicicleta muito se esforçou, lutou até se tornar presidente do Sindicato do Comércio e Indústria de Anápolis, figura então respeitável e, por toda a vida, querida e popular na cidade a que ele muito serviu, amou e criou seus familiares. Onde me via João Rosa se aproximava e me dava aquele amplexo de quem sabe ser bom, grato e humilde para com todos. Nas minhas notas pelo jornal eu sempre mencionava o antigo irmão que sempre deu amostra de sua grandeza, jamais perdendo sua humildade e simpleza, mesmo quando se tornara homem importante na vida política e social da cidade. Até mais, João! Um dia a gente se vê por aí, nessas paragens sidéreas, então, teremos o que conversar e você me emprestará sua bike para que eu possa dar umas voltas pelas estrelas, tentando vender meus livrinhos aos amigos que encontrarmos. É isto.
Preciosas lembranças!!! Obrigada por se referir ao meu pai com tanto carinho. Grande abraço!!
Lembranças preciosas!! Obrigada por se referir ao meu pai com tanto carinho! Grande abraço!
Sr. Iron, grata por nos presentear com as lembranças de meu tio João Rosa e com sua excepcional sensibilidade sempre!