Tem que manter isso, viu? | por Marcos Vieira

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1. Brasília explode. A carga de negatividade emanada das conversas escusas, do dinheiro na cueca, das emendas parlamentares compradas por empreiteiras e dos discursos sem concordância verbal fica alojada por anos no céu do Planalto Central e um dia vem abaixo. O Congresso Nacional rui. O Palácio do Planalto quebra ao meio como na profecia e o STF sucumbe devido à vaidade de seus membros. Do Jaburu, o único sobrevivente, questionado se é para manter a babá do menino nomeada no Gabinete-Adjunto de Informações em Apoio à Decisão do Gabinete Pessoal do Presidente da República, diz com sua voz de radialista dos anos 1940: “tem que manter isso, viu?”

2. O presidente da Câmara assina ato que depõe seus 512 colegas. Em seguida, assina sua renúncia. No Senado, Fernando Collor lidera o movimento de saída conjunta dos 81 membros da Casa. No STF, ministros com ligações políticas fazem mea culpa e voltam para casa. O povo toma o poder, ocupa os gabinetes, descobre a senha do wi-fi e posta selfie deitado no carpete azul do plenário. O BC reduz os juros na última reunião do Copom, mas ninguém pensa em dinheiro, os saques viram prática recorrente. Do Jaburu, questionado se Moreira Franco ainda tem serventia, o dono da caneta revela: “tem que manter isso, viu?”

3. Os jornalistas tomam o poder. Parte dos políticos é enxotada com pancadas de microfone. William Bonner desiste de presidir o Senado quando é informado que é impossível instalar um teleprompter diante da sua cadeira; e ele será obrigado a improvisar suas falas. A Globonews se funde com a EBC. Qualquer decisão de governo só é aprovada se puder ser resumida na capa da Folha. SBT, Record e RedeTV simplesmente ignoram a NET. Jornalistas do Estadão vão para a bancada de oposição. É extinto o cargo de assessor de imprensa e na fanpage do Jaburu, um crítico de outrora, adesista de quem está no poder, faz um post com 27 toques: “tem que manter isso, viu?”

4. Joesley, enfim, volta do exterior e revela o plano. Tudo foi armado junto com Jair Bolsonaro e Jean Wyllys. O dinheiro desviado era para montar uma ONG, maior que o Criança Esperança. Didi Mocó vai ser o embaixador e Ticiana Villas Boas vendeu suas joias para bancar a sede da entidade no Acre. Os meninos da Lava Jato choram e a República de Curitiba mostra surpresa diante do plano do bem. Roubaram para dar aos pobres, revela manchete da Veja com foto de Joesley sorrindo, ao lado do irmão Wesley e do deputado da mala com R$ 500 mil, o primeiro cooptado para “o verdadeiro milagre brasileiro” desde o general Médici. O Papa Francisco comemora. Luciano Huck recupera as fotos ao lado do dono da Friboi que havia deletado do Instagram. Trump acha uma baboseira e Ângela Merkel simplesmente ignora a América do Sul. Contrariado, mas disposto a entrar no jogo porque dá mídia, o primeiro pronunciamento do inquilino do Jaburu inicia com a célebre frase: “tem que manter isso, viu?”

5. O povo decide que a reforma mais importante é a musical. O Sindicato das Mães pede o fim do Rap. Fuzilam Joesley e Wesley na Praça dos Três Poderes, ao lado de Maiara e Maraisa e Gusttavo Lima. Michel Teló consegue exílio no prédio da Globo. Gil, Caetano e Chico assumem o comando da República e chamam Lobão para compor. Compadre Washington fica bêbado e rola na rampa do Palácio do Planalto. Sem ritmo, tal qual um fantasma da ópera vagando pelo Jaburu, ouve-se um apoio do além: “tem que manter isso, viu?”

6. João Dória manda seus tratores derrubarem o Congresso Nacional com os parlamentares dentro. Os viciados da cracolândia vagam pelo Brasil até chegarem a Brasília e ocupam os escombros. O prefeito também expulsa os sem-teto, os nordestinos e os deficientes da sua “Cidade Linda”. Todos seguem para a Capital Federal. O fluxo migratório fica cada vez mais intenso. Uma lei proíbe o grafite e o carnaval de rua. Dória manda derrubar o STF com os ministros dentro no dia do julgamento da ação que o acusa de ter invadido uma área pública em Campos do Jordão. Convencido por Bruno Covas, mais sentimental, Dória mantém de pé o palácio do vice e o último inquilino do Jaburu elogia a política higienista: “tem que manter isso, viu?”

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