Além do que se vê | por Danianne Marinho
Marcelo Camelo diz em sua canção que “é preciso força pra sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê”. Tem sido difícil neste momento de desesperança nacional acreditar que a estrada possa no conduzir a algum lugar seguro. Roubaram nossas riquezas, nossos impostos. Estão roubando nossos direitos sociais. Daqui a pouco nos roubarão nosso direito de sonhar se não reagirmos à altura. Dentre os sonhos que nós sanitaristas temos como muito caro para nós está o direito à saúde pública de qualidade, resolutiva, universal, integral, equânime e com participação e controle social.
O governo Michel Temer está encerrando as atividades do programa “Farmácia Popular do Brasil”, administrado pelo Ministério da Saúde através da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O mesmo visa ampliar o acesso da população aos medicamentos considerados essenciais. Os medicamentos são adquiridos de laboratórios farmacêuticos e disponibilizados nas Farmácias Populares a baixo custo. Assim, o programa beneficia principalmente pessoas de baixa renda que possuem dificuldades financeiras para realizarem tratamento de saúde. É um golpe no bolso e no orçamento das pessoas que se beneficiam desta politica pública que está sendo desativada.
Ao mesmo tempo, este mesmo governo propõe transferências de recursos do combalido Sistema Único de Saúde (SUS) para planos privados de assistência médica. O SUS que historicamente é subfinanciado teria agora a função de salvar estas corporações da bancarrota. Setor este que representa o segundo maior índice de reclamações nos órgãos de proteção ao consumir, perdendo apenas para as empresas de telefonia.
Todos estes movimentos representam um retrocesso e a destruição do SUS e de nosso direito à saúde. Querem nos retirar tudo o que conquistamos bravamente e que ainda se quer conseguimos implementarem sua totalidade. O presidente e o ministro da saúde atual foram financiados em todas suas campanhas eleitorais no passado com dinheiro dessas corporações que exploram os mercados privados de saúde no Brasil. E agora estão cobrando a conta. Quem paga é o povo trabalhador desse país.
Apesar da desesperança, navegar é preciso. É preciso reagir e defender a saúde publica, pois ela é a única salvaguarda de uma massa trabalhadora em um país marcado pela extrema desigualdade e exclusão social. Não é só ideológico. É necessário. É preciso entender que nossa história, arraigada de patrimonialismo, coronelismo e autoritarismo, colocou centena de milhões de homens e mulheres em situação de pobreza e miséria e que a destruição do SUS é mais uma vez nega-los o direito de viver.
É por isto que ainda acredito na força da organização da sociedade através dos conselhos de saúde. É aí que reside nossa ponta de esperança em resistir a todos estes ataques aos nossos sonhos. Temos que contrapor o pensamento de que o SUS não deu certo. Ora! O que não deu certo foram as gestões que o executaram desde 1988. O que não deu certo foram os repetidos cortes de gastos em saúde e educação para transferências de recursos ao capital especulativo predador. O que não deu certo foi a tentativa de destruí-lo, pois apesar de todas estas intemperes cá estamos. Cambaleando mas ainda de pé.
Não podemos viver em desesperança. É preciso ver além do que se vê. Precisamos continuar a caminhada mesma com os pés descalços, pois assim se pode mais e o bloco dos excluídos na saúde vai atrás. Como disse Marcelo Camelo naquela mesma canção “eu também vou atrás, e a banda diz: assim é que se faz”.
DANIANNE MARINHO é professor do curso de Medicina da Unievangélica e presidente do Conselho Municipal de Saúde de Anápolis