Déficit de pessoal emperra ações nas Varas de Família
Representante da OAB afirma que é “desgastante” para os advogados explicarem todos os dias aos seus clientes que um processo não anda por falta de estrutura do Poder Judiciário
LUIZ EDUARDO ROSA
Com população de 360 mil habitantes, Anápolis sofre com uma estrutura de Poder Judiciário que não consegue nem perto fazer frente à alta demanda. Um dos casos mais evidentes refere-se às Varas de Família. São duas apenas na cidade, que acumulam 6.836 processos. Isso torna qualquer caso moroso, pois é humanamente impossível para as juízas titulares e os servidores darem ritmo mais veloz às situações naturalmente complexas.
A 1ª Vara de Família tem hoje 3.606 processos. Já a 2ª Vara acumula 3.230 ações. No primeiro quadrimestre deste ano, somente a 2ª Vara teve a entrada de mais 783 processos. Com isso, o aumento do tempo de tramitação de um caso é inevitável. “Um processo que duraria três meses pode triplicar ou quadruplicar o tempo de duração”, aponta a juíza titular da 2ª Vara de Família e Sucessões de Anápolis, Aline Vieira Tomás.
Segundo a magistrada, um dos aspectos para essa tramitação morosa é a falta de estrutura do Judiciário brasileiro, que não possui servidores suficientes. Em Anáp 4000 olis, as maiores demandas são os processos que envolvem alimentos, execução de pensões, divórcios, guarda de filhos, reconhecimento de união estável e inventários. “Apesar do menor número de processos de inventários, eles tem uma complexidade superior a dos outros, juridicamente falando”, explica a juíza.
Os processos têm prioridades diferenciadas amparadas por lei. Uma ação de pensão alimentícia sobrepõe casos que envolvam dívidas ou inventários, por exemplo. Independentemente disso, qualquer caso tem demanda alta para uma 2ª Vara com uma juíza, três escreventes (técnicos judiciários) e uma escrivã. “Se relacionarmos o número de processos pela capacidade de trabalho dos servidores, é inevitável que ocorra um atraso por mais que tenham boa vontade. É humanamente impossível ”, afirma Aline Vieira.
A profissional em limpeza Adriana Teixeira, 38, deu entrada em um processo para restabelecer a guarda dos filhos que possui comum acordo entre as partes envolvidas, mas mesmo assim se arrasta desde 2013. Ela conta que nenhuma audiência foi marcada até o momento e seu advogado disse que o processo está parado. “Eu fico muito indignada, isso traz um abalo emocional muito grande, tenho que suportar e ainda me lembrar disso constantemente”, alega Adriana.
OAB
“É extremamente desgastante ao advogado todos os dias explicar a seu cliente que seu processo está parado e não há o que fazer”, relata o secretário geral adjunto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Subseção Anápolis, advogado Jorge Henrique Elias. Ele pontua que praticamente todos os atos judiciais passam por atrasos e isso durante o processo gera desgastes tanto entre as partes como também do cliente com o seu defensor. “Clientes denunciam seus advogados para a OAB, e acabam por não ter fundamento reconhecido, quando na verdade deveria ser uma reclamação contra a morosidade do Judiciário”, explica Jorge.
Uma das últimas audiências realizadas pela OAB em Anápolis no Fórum da cidade, na última terça-feira (19), tratou especificamente dos problemas que os advogados veem enfrentando nas Varas de Família. Além da diretoria da OAB, estiveram presentes 90 advogados, o diretor do Fórum Carlos Limongi Sterse e a juíza titular da 1ª Vara de Família, Marianna Azevedo Lima. Os problemas levantados pelos advogados foram a demora dos processos e dos atos jurídicos. “Os colegas presentes levantaram casos de réus que continuam presos por pensão alimentícia, mesmo tendo pago o determinado”, explica Jorge Henrique.
Outra reclamação é quanto ao fato de um juiz ter que acumular a demanda de um colega de magistrado que eventualmente precise de uma licença. “Se tivéssemos quatro juízes e quatro Varas com os respectivos técnicos atendendo, seria contemplada a demanda, porém a resposta que temos do Tribunal de Justiça de Goiás é a de que não há orçamento suficiente”, explica o representante da OAB.
Conciliação
A conciliação atualmente é uma das prioridades para o Judiciário brasileiro. A juíza Aline Vieira é coordenadora do 2º Centro Judiciário de Solução de Conflitos (Cejusc), que pode ser acionado no caso em que a pessoa ainda não iniciou um processo. A demanda judicial então pode ser resolvida em 40 dias.
Esta fase antes do processo é chamada juridicamente de fase pré-processual. Já no período processual, o Cejusc pode auxiliar da mesma forma com a sessão conciliatória na presença intimada dos advogados. Aline Vieira conta que na Cejusc são 50 processos finalizados por semana. Para ela a vantagem de ir ao local quando há possibilidade de acordo entre as partes é não ver um processo se arrastar por anos, mesmo tendo baixa complexidade.
O advogado Jorge Henrique Elias reconhece que os centros de conciliação em geral são benéficos e importantes para dar mais agilidade à Justiça, mas ele aponta que mesmo os casos pré-processuais poderiam ser mais bem encerrados se os advogados fossem intimados. Dessa forma, futuramente, seria evitado que qualquer acordo voltasse a juízo caso uma das partes mudasse de ideia quanto às vantagens para ela do fim da demanda.
Segundo informações de servidores da 2ª Vara de Família, não há empecilho na presença dos advogados das partes na etapa pré-processual no Cejusc. O questionamento foi enviado à juíza coordenadora, porém não houve resposta até o fechamento da edição.
A morosidade da Justiça em Anápolis é desanimadora… Tenho a impressão, nesses quase quatro anos que movo uma ação de litígio, que só há trâmites para cobrar as custas processuais.
Enquanto isso, as pendências se arrastam, beneficiando uma das partes (a que detêm a maior parte do patrimônio) e que não tem pressa nenhuma, pois neste período pode transferir bens para “laranjas”, simular falência de empresas, transferir automóveis, etc etc.