Um breve escape do corpo

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IRON JUNQUEIRA

Padeci uma rebordosa na saúde, na minha condição de Matusalém moderno que quase me empacotei. Meu corpo ficou no hospital sob o efeito de anestesia e eu fui parar na entrada do Paraíso. Bati: Pan! Pampampampam! Pan Pan! Alguém a abriu, olharam austeros pra minha cara, não gostaram de mim e bateram a porta! Eram Eva e Adão. Me fui.

Fiquei ali, sem saber o que fazer, olhei para os lados a ver se via a porta da Esperança e vi. Estava lá uma placa azul com letras de ouro: “CÉU”. Notei, todavia, que a referida porta estava lotada de gente além de uma fila interminável de pessoas com bíblia sob o braço, terno e gravata, havia alguns que pareciam querer mostrar serviço ao Divino e esbravejavam pregações. Cansado de tais cenas na terra pensei — “Isso aí é enganação. É o céu coisa nenhuma!”

Ainda na porta do Paraíso vi meu cavalo branco se aproximar montei-o e retornei à terra. Eu estava de novo de corpo e alma, no Centro Cirúrgico do Hospital Evangélico, gemendo sob o estupor dos efeitos colaterais da anestesia, ouvindo xotes e cuícas horríveis que diabo nenhum aguentava. Parecia que eu me achava dentro de um grão de amendoim apertado, escutando aqueles horríveis xotes brasileiros, com essas letras:

“O gordo foi cobrar! O gordo foi cobrar!” ou “De cabelo repartido! De cabelo repartido!”

Credo! Ritmo legitimamente brasileiro é tortura.

Havia na sala de cirurgia dois anestesistas — Dr. Mateus e Dr. Carrijo — uma médica e o cirurgião, Dr. Cláudio Antônio Abrão — e eu ali engolido por grãos de antibióticos, sumido qual grão de milho, escutando apenas a voz do doutor Mateus, que repetia, alto e bom tom, chamando alguém:

— Taíse? Taíse? Taíse?

Eram repetidas as chamadas, no entanto, nenhuma resposta:

Na minha curiosidade sem nada ver, só ouvindo, eu imaginava que a Taíse fosse uma enfermeira séria, não gostava, sequer, de brincadeira. Porque, no mínimo, ela devia tê-lo mandado calar. Mas ele insistia: Taíse! Taíse! Taíse! Entrei na onda:

— Taíse! Atende logo o homem sô!

Ainda fiquei a escutar o chamado a ela, seguidas vezes, enquanto outros médicos procediam a cirurgia em mim!

Caramba! Não sei se era consequência da anestesia ou dosanti-inflamatórios. Mas vi-me no Mercado Rio Vermelho, num espaço chamado Galeria, no Lar, no topo da torre da TV-Tocantins, tudo pra fugir da musiquinha brasileira “o Zé foi cobrar! O Zé foi cobrar!” ou da tal de “você tem o cabelo repartido”! Fui a tantos locais exóticos durante a operação somente pra fugir do sambinha nacional.

Quando me vi na porta larga e escura do Umbral, bati seguidamente: Pam-pam! pam! Pamparam! pam!

Ninguém abriu a bendita porta. Olhei um pouco abaixo e avistei uma portinha estreita semi-iluminada ao lusco-fusco de um lampião. Estava repleta de pessoas entrando naporta. Era estreita porque o porteiro estava conferindo o carnê de cada qual. E cada um dos entrantes trazia uma bíblia debaixo do braço. Manjei logo:

— Hummm, não me é estranha essa cena! Estou habituado a vê-la…

Retirei-me dali o mais rápido possível. Logo adiante encontrei um corcel branco, montei-o e ordenei: — Bora, Trigger! E o belo cavalo disparou parando na porta do Hospital Evangélico. Corri para o leito onde me operavam de Apendicite e fiquei quietinho, bem comportado, feito gente grande.

Os médicos trabalhavam concentrados e eu, ali, alojado no meu casulo, comportado. Nesse breve escape em espírito, não divisei nada de bom.

A médica loirinha, muito gentil e carinhosa me perguntou se eu estava bem, fiz sinal que sim. Penso que o Dr. Carrijo me examinou de perto pra ver se me conhecia. Tinha o cabelo branco como o meu. Decerto foi verificar se o infeliz era conhecido seu. Nada disse. Mas era, pois eu o reconheci. O Cirurgião Geral, Dr. Cláudio Antônio Abrão, falava pouco, só o necessário, muito concentrado. Apenas o ouvi quando falou. — Pronto. Deu tudo certo.

— Taíse! Taíse! Taíse!

Dizia em voz forte o doutor Mateus, um jovem alegre. Tinham me levado para a sala de observação, onde eu pude ver a tal Taíse. Foi o médico Mateus chamá-la de novo que eu a procurei movendo a cabeça e os olhos.

Tratava-se de uma paciente que dormia. Por fim, despertou.

Ufa! Até que enfim! Pensei.

— Está bem Taíse? Ela confirmou com a cabeça. Então o médico Mateus me viu erguendo o pé direito e o esquerdo e exclamou, em tom jovial:

— Acabando a anestesia hein? Bom. E arrematou:

— Você está ótimo! E saiu.

Retornaram-me para o quarto. Devolveram-me ao leito. Quando dei por mim, estava em minha casa, no meu leito; estranhei:

— Uau! Já me trouxeram para casa? Indaguei.

— Não! Respondeu um dos filhos. O senhor é que veio!

— Mas que falta de responsabilidade! Nem recebi alta! O que houve?

Outro filho me explicou.

— Ninguém o trouxe nem lhe deram alta…

— O que faço então, aqui? Ao que o terceiro filho foi claro:

— O senhor fugiu do hospital, andava pela rua vestindo somente aquele avental aberto por trás, e de bunda para fora!

— Ah, Mas!

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