Ciaa tem assassinato bárbaro igual ao presídio ‘dos adultos’

Hiago Marcel da Silva, de 16 anos, teve braços amarrados e boca amordaçada por dois internos, que o espancaram até a morte; semana também teve menor atirando contra a PM

MARCOS AURÉLIO SILVA

Em meio ao debate sobre redução da maioridade penal no Brasil – que foi aprovada pela Câmara Federal –, Anápolis apresenta casos essa semana que enchem de argumentos aqueles que são favoráveis à punição mais severa ao indivíduo que pratica crime hediondo já a partir dos 16 anos de idade.

Na quinta-feira (9), o assassinato de um adolescente de maneira brutal por outros dois no Centro de Internação para Adolescentes de Anápolis (Ciaa) chocou a cidade. Hiago Marcel da Silva, de 16 anos, foi morto por espancamento dentro da cela, sem que qualquer servidor do Ciaa notasse a ação – o centro funciona de forma improvisada, há vários anos, nas dependências do 4º Batalhão da Polícia Militar (4º BPM).

Hiago Marcel foi encaminhado ao Ciaa na tarde do dia em que foi morto. Acabou ficando em uma cela com quatro jovens – dois deles eram rivais da vítima. Um adolescente de 15 anos e outro de 16 assumiram o crime para a Polícia Civil. Eles confirmaram que a motivação foi uma rixa antiga no mundo da criminalidade.

Na delegacia os autores confessos do crime contaram que amordaçaram a vítima e o amarraram com um lençol. Hiago Marcel foi espancado até a morte, principalmente com golpes na cabeça. Os dois autores do crime foram autuados em flagrante por homicídio doloso.

Ainda na tarde de quinta-feira, outra ocorrência policial teve como principal relevância a atuação de um menor na tentativa de roubo a uma lotérica no centro de Anápolis. Um adolescente de 15 anos foi apreendido, na companhia de outro homem de 21 anos. Antes de ser detido, o adolescente chegou a trocar tiro com a Polícia Militar. O seu comparsa acabou baleado.

Um detalhe que impressiona: o assalto que foi cometido na lotérica tinha como objetivo render dinheiro para que o adolescente pudesse pagar um advogado para o seu irmão, outro jovem infrator, preso no dia anterior por ter roubado um veículo na cidade de Campo Limpo de Goiás. Agora, os irmãos seguem apreendidos no Ciaa.

No mesmo dia em que as duas ocorrência chamaram atenção pela violência e por serem promovidos por menores, Anápolis recebia a visita do secretário estadual de Segurança Pública, Joaquim Mesquita. Ele cumpria uma agenda de compromissos na cidade, incluindo a entrega da reforma da Delegacia de Apuração de Ato Infracional (Depai), que há mais de um ano funcionava de forma precária no prédio, onde antes abrigava o Grupo Especial de Repressão a Narcóticos (Genarc).

O secretário Joaquim Mesquita teve uma boa oportunidade de ver de perto da necessidade de estruturas que reprimam a criminalidade cometida por adolescentes, como também do anseio dos anapolinos por ações de socialização de jovens infratores. Há muito existe uma luta do Juizado da Infância e Juventude para que se construa um local apropriado para abrigar os infratores. Também a falta de servidores da Polícia Civil impede um trabalho mais efetivo da Depai, que por muitas vezes não tem nem sequer um local apropriado para abrigar os jovens enquanto eles aguardam audiência com o Judiciário.

Debate

Os crimes cometidos por adolescentes e que ganharam forte destaque no noticiário policial dessa semana reforçam o debate sobre o tema da maioridade penal. O juiz da Vara de Infância e Juventude de Anápolis, Carlos Limongi Sterse, já declarou em entrevistas ao JE que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já tem as formas de punição adequadas. “Porém para os casos gravíssimos o prazo máximo para internação é de três anos. O que eu defendo é que se aumente esse prazo de internação, talvez para seis ou oito anos”, disse.

O magistrado disse acreditar ser mais fácil recuperar dentro do sistema da Infância e da Juventude, que no sistema prisional comum. “Pelo menos aqui em Anápolis há mais de 350 presos. Já no centro de internação para adolescentes não temos superlotação. É muito mais fácil trabalhar a recuperação desses 14 adolescentes, já que temos os responsáveis técnicos para isso, como assistente social e pedagogos, que lidam não só com os internos, mas também com suas famílias”, argumentou.

A redução da maioridade é defendida pelo titular da 3ª Delegacia Regional de Polícia Civil, Álvaro Cássio. “Eu sou a favor da redução da maioridade. No entanto, analisando por outro lado, não há prisões nem para os maiores. Exemplo é o que estamos vivenciando aqui em Anápolis, que faltam celas no presídio”, declarou.

O delegado acredita que a redução da maioridade penal é algo necessário, mas que antes é preciso discutir os investimentos que viabilizem as penalidades determinadas aos criminosos. “Primeiro temos que aprimorar as leis existentes para o criminoso ter menos regalias”, opinou.

Em recente entrevista ao JE, a superintendente Executiva em Direitos Humanos da Secretaria de Cidadania do Governo de Goiás, Onaide Santillo, afirmou concordar que quando se trata de crimes hediondos é preciso ter uma punição mais efetiva do ponto de vista da segurança pública.

“Mas a verdade é que temos que trabalhar pelo atendimento e socialização desses jovens. Isso sim diminui a violência. Não acredito, por outro lado, que reduzir a maioridade penal de 18 para 16 trará benefícios em relação aos nossos jovens”, avaliou.

Índices

Um levantamento feito pelo Juizado da Infância e Juventude de Anápolis aponta que a faixa de idade de adolescentes que mais cometeram infrações na cidade em 2014 foi a de 15 anos. Esses jovens são apontados como autores de 35% dos 351 atos infracionais cometidos por jovens no ano passado.

Os dados ainda revelam que o consumo e o tráfico de drogas foram os atos infracionais mais praticados em 2014, com 58 casos registrados, representando 17% dos delitos de adolescentes em Anápolis. Já nos primeiros quatro meses de 2015, a infração mais cometida por eles é o roubo qualificado, com 49 casos, representando 43% dos delitos praticados neste ano.

Crescimento

Os crimes cometidos por jovens no Brasil aumentaram 80% nos últimos 12 anos. Só no Distrito Federal (DF), foram registrados mais de 2,8 mil crimes cometidos por menores em 2012. A maior parte deles era roubos (1,7 mil), mas em segundo vêm os homicídios. Foram 288 pessoas mortas por menores em 2012 apenas no DF.

No Brasil, os atos infracionais, como são chamados os crimes cometidos por menores, aumentaram 80% entre 2000 e 2012. Nesse período, o número de casos aumentou de 8 mil para 14,4 mil. Em 2009, 16,9 mil adolescentes cumpriam alguma medida restritiva de liberdade, segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos.

Outros casos

O assassinato dentro do Ciaa não é o primeiro caso. A situação se tornou mais grave nos últimos anos quando foram registrados dois homicídios dentro da unidade. Em maio de 2009, um jovem de 16 anos foi asfixiado e em janeiro de 2010, T.A.S., de 17 anos, foi morto com uma facada desferida por outro jovem da mesma idade.

Além dos assassinatos, crimes de incêndio e espancamentos também foram registrados no Centro de Internação. Tudo motivado por rixas entre grupos que começam nas ruas e são transferidas para o local. Nesses casos os adolescentes vão para lá, e acabam transformando o Ciaa em um barril de pólvora.

Desde 1996 o Ciaa fica localizado dentro do 4º BPM, um lugar nada apropriado para receber jovens com até 18 anos de idade envolvidos em crimes. Com capacidade para abrigar 29 adolescentes, o Centro, que é vinculado à Secretaria Estadual de Cidadania e Trabalho, tem sempre uma média de 20 jovens cumprindo as medidas socioeducativas.

Apesar de não haver superlotação, a unidade já sofreu interdições por ser considerada precária pelo Ministério Público. Ao longo do tempo de funcionamento da Ciaa nas dependências do 4ª Batalhão percebeu-se um processo contínuo de precarização das condições da unidade, fato observado inclusive em relatórios emitidos pela própria direção do Centro.

O local atende Anápolis e outros 12 municípios do entorno, apesar de não possuir espaço para prática de esportes, oficinas de artesanato e realização de atividades educativas, fato que atrapalha a recuperação dos adolescentes.

No local é fácil observar problemas estruturais tais como falta de ventilação, insalubridade e ausência de alojamentos femininos isolados da ala masculina. A situação é agravada pela falta de servidores, de veículos em condições e de materiais de toda a ordem que chegam a inviabilizar o funcionamento das atividades desenvolvidas na unidade.

As obras do novo Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) em Anápolis foram iniciadas há cerca de um ano, mas seguem em ritmo lento, por conta de alguns problemas nos repasses de verbas. Enquanto isso, os jovens infratores seguem cumprindo suas medidas socioeducativas numa estrutura que propicia atos de violência entre eles, e que em nada tem contribuído para ressocialização.

Três anos por estupro coletivo

A Justiça do Piauí determinou a internação por três anos dos quatro adolescentes acusados pelo estupro coletivo em Castelo do Piauí, ocorrido no dia 27 de maio. A sentença também abrange as tentativas de homicídio de três jovens e o homicídio de uma delas. A decisão saiu na quinta-feira à noite (9). O prazo para a conclusão do processo terminaria no sábado (11).

Os jovens vão ficar internados no Centro Educacional Masculino, em Teresina, onde devem cumprir a medida socioeducativa pelo período máximo previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

As adolescentes com idades entre 15 e 17 anos foram estupradas quando subiam o Morro do Garrote, ponto turístico de Castelo do Piauí. Elas foram dominadas por quatro adolescentes e um homem de 40 anos, que as amarraram em árvores e espancaram com pontapés, pedradas e pauladas.

Após ficarem desacordadas, foram estupradas, arrastadas e jogadas de cima de um penhasco da altura de um prédio de três andares. Exames de DNA comprovaram a autoria do estupro.

O Ministério Público do Piauí denunciou os menores à Justiça por atos infracionais análogos a estupro qualificado (contra menor de 18 anos), homicídio com cinco qualificadores (motivo torpe, tortura acometida por meio cruel, impossibilidade de defesa das vítimas, ocultação do crime de estupro e feminicídio), tentativa de homicídio e associação criminosa.

Apelação contra votação no Congresso

Na quinta-feira (9), mais cem parlamentares de 13 partidos assinaram documento que será entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a condução de votações polêmicas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e para tentar anular o resultado da votação da redução da maioridade penal, aprovada pelo plenário da Câmara no último dia 2.

Na madrugada do dia 1° de julho, a Câmara rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, com 303 votos a favor, 184 contrários e três abstenções. Na sequência, após acordo com líderes que defendem a redução, Cunha decidiu colocar em votação uma nova proposta com o mesmo teor, que foi aprovada na madrugada do dia seguinte.

O mandado de segurança assinado pelos parlamentares pede uma posição da Justiça sobre os atos praticados por Cunha que, na opinião do grupo, ferem um parágrafo do Artigo 60 da Constituição Federal. A lei proíbe a análise de uma matéria de proposta de emenda à Constituição, no mesmo ano em que já tenha sido rejeitada.

Defensores do resultado em plenário afirmam que a legislação trata do conteúdo do texto, o que permitiria que qualquer alteração de redação pudesse ser colocada novamente em votação. Segundo eles, o que foi aprovado foi uma emenda ao texto original já que o parecer rejeitado era um substitutivo à matéria. “A matéria é a mesma e por isto não pode ser repetida”, rebateu o vice-líder do PMDB, deputado Darcísio Perondi (RS), que é um dos signatários do mandado.

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