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IRON JUNQUEIRA

No começo era um cemitério, cheio de arbustos, formando figuras vegetais com folhas finas e hirsutas. Eu me lembro até de uma Capela formada por árvores da mesma qualidade com as quais formavam aves, animais, coisas. A Praça Americano do Brasil parecia aquele jardim do filme “Edward o mão de tesoura”. Indo para o trabalho ou de lá voltando pra casa a gente tinha que passar pelo logradouro.

Antes de ser jardim, ali tinha sido o cemitério do lugarejo que, naturalmente, tinha que ser (não sei por que) um pouco afastado do povoado. Fico pensando, então, que a rua hoje Cel. Batista devia ser o centro, pois até a casa do fundador Zeca Batista era ali, onde hoje é o museu histórico.

Em 1935 construíram a estação, onde o trem chegava todo dia, puxado pela Maria Fumaça e com seu som de rodas rolando sobre os trilhos de ferro, rooooooh! E sua buzina Piiiiip! Piiiip! As pessoas, a maioria delas em terno de linho, paletós curtos, cor de palha, chapéus, malas, gente de todo tipo e jeito.

Com o passar do tempo as usanças das pessoas iam mudando.

Iam desaparecendo os curtos paletós e calças de barra “pega frango”, sobressaindo mais as botinas e as vestimentas rústicas, mais simples ou mais ajeitadas.

Em frente à Estação “José Fernandes Valente”, a ferroviária, o jardim vistoso e vetusto, lindo, ornamentado de ciprestes em formato de capelinha moldada neste arbusto, buxinhos, aves em murtas, figuras em loureiros, aves em ligustros, torres em podocarpo e outras imagens em quaresmeiras.

Era bom andar entre aquela variada vegetação, descansar do caminho naqueles bancos, mirando a diversidade de passarinhos que alegrava o recanto de flores e vegetação esparsa.

De quando em vez alguém achava algumas peças de ossos humanos, remanescentes docampo santo que em outros tempos lá fora. Ficava imaginando que pessoas devem ter sido aquelas que ali foram sepultadas. Todas, personagens simples, boas, ingênuas, um tanto — acredito — isentas de maldades ou atitudes cruéis e ruíns, porquanto muito antigas, do tempo em que os homens, mesmo melindrados e estranhos uns para os outros, se respeitavam por isso mesmo: por não se conhecerem reciprocamente o tempo que precisavam e, por isso, seria melhor a convivência discreta, reservada, do que os riscos das amizades eufóricas. Não sei… Decerto eram mais ou menos assim.

Depois transportaram estes restos humanos para o campo onde agora chama São Miguel, até hoje o principal cemitério da cidade, além de outros simples, luxuosos e faraônicos, para onde foram morar os ricos ou os religiosos radicais, “porque nego bom não se mistura”.

O jardim da Praça Americano do Brasil, bem como o da porta da Igreja Bom Jesus (centro citadino), foram ficando muito movimentados, mesmo porque construíram a sede da Prefeitura e do Fórum no quadrilátero da Matriz do Bom Jesus, onde nos natais, celebravam a Missa do Galo, quando o centro da cidade, além da praça principal, mas as ruas centrais ficavam infestadas de gente. E nos carnavais também.

Hoje nem missa do galo celebram mais. Acredito que o galo daquelas missas foi para a Pensão Mineira, onde pousava, e na manhã seguinte voltava pro seu terreiro… Anápolis foi crescendo, o comércio da urbe expandiu e o movimento central se transformou numa réplica do Mercado Persa. Único logradouro bonito que sobrou foi a Praça Americano do Brasil que (acredito) devia ter outra designação recebendo o nome do poeta de Sta. Luzia somente após sua morte, e este cidadão ilustre é contemporâneo dos anapolinos.

Porém, vieram várias administrações públicas que foram permitindo mudanças drásticas na cidade de Anapolino de Faria, que tinha o Hospital Dom Bosco, bem onde foi a sede da fazenda do Sr. Francisco Silvério de Faria. Essa sede integrou as dependências do Hospital do Dom Bosco até os dias recentes, quando, finalmente, foi desfeito, com a morte do médico/prefeito tão querido.

E o jardim todo erguido e engalanado com esculturas de alecrins, ciprestes, ligustros, trepadeiras floridas, de todas as cores e aromas.

Os bancos sendo destruídos pelos vândalos e trocados por outros frágeis e mal feitos, carroças e charretes desaparecendo — e, de repente, olhando para o prédio da Estação Ferroviária, por onde se via chegar o trem… Ninguém mais o vê!

Cadê a sede da estação que estava ali?

— Vi uma igualzinha em Leopoldo de Bulhões.

— Tem uma na Estação de Castilho, adiante do Senai. Exclamaram pessoas.

— Não aquelas, como todas no Brasil, são réplicas! No país, todas são mais ou menos parecidas. Estou perguntando pela nossa! A que tanto decantei e que tantos escritores poetas e historiadores decantaram! A que ficava em frente a Praça Americano do Brasil, a nossa!

Todos que passavam pelo local ficavam merencórios…

— Será que a demoliram? Indagavam.

— Não! Não podiam desmontá-la. Era patrimônio histórico… — explicavam outros…

Mas todos sabiam que os homens construíram uma imensa “giripoca” cobrindo toda a visibilidade da estação! Uma construção imensa, feia, disforme que desajeitou todo aquele quadrilátero, a rua em frente a estação e, com isso, desapareceu a sede, por onde chegavam gente nova, cargas preciosas e variadas; por onde aportava o progresso e muitas riquezas… agora ficou tudo triste, sem vida…

— Mas foi para o bem de todos, para fluir os habitantes da cidade para o seu centro comercial, foi para despejar o povo dos bairros no centrão de “Anápis”!

— Sim, disse um cidadão, concluindo — mas que não bulissem no jardim tradicional, no cartão de chegada da urbe, não furtasse a beleza do local, construindo esse prédio enorme que estreitou o espaço do povo. Olhem que pobreza e quão exígua ficou a praça do povo, aonde a gente vinha esperar os que chegavam de longe, por onde descarregava o progresso…

A Lei também aventou a ausência de visão, tirou a amostragem de um importante espaço histórico. E lá no passado já começou a grilar em favor do povo.

O tempo passou e muita gente foi para outra vida e outros nativos surgiram, outros chegaram aqui. E para espanto nosso, a atual geração, a mocidade já, então, envelhecendo, sequer, conhecia a fachada histórica da Estação José Fernandes Valente. Quando alguém a mencionava, outro respondia:

— Vê! Tem Estação Ferroviária, aqui?

— Claro!

— Aonde?

— Por detrás dessa “giripoca”tem a praça.

A gente ia olhar: surrada, suja, feia, esbandalhada, com barraquinhas de quinquilharias, quiosques de bebidas, carrinhos de vendedores ambulantes, postes mijados e fedidos por todos os lados, não mencionando à noite, onde aquilo vira um antro de bêbados, viciados, promíscuos, orgias, prostituição, além de assaltos e dejetos humanos por todo canto, local por onde nem os cães vagueiam. Há fedentina até na porta da biblioteca que lá existe.

Mais tempo rolou até que, finalmente, a Justiça determinou o desmanche do complexo implantado em frente ao prédio oficial da mencionada unidade ferroviária. Para alegria da população e queixa dos que se acharam prejudicados, a prefeitura está tomando as devidas providências, devolvendo a visibilidade ao patrimônio tombado e falando em reforma geral daquela praça. Hoje quem passa por ali consegue ver, ainda em estado não muito alentador, a sede da estação inaugurada em 1935.

O jardim voltará a ser frequentado, o espaço do público, renovado e limpo e a civilidade devolvendo à cidade um dos seus locais que outrora fora tão importante quanto hoje, e tão histórico quanto agora. Reconhecimento às autoridades judiciais e administrativas que devolveram aos anapolinos o que já lhes haviam tomado: a Praça que era uma ilha que estava desaparecida e que, enfim, reapareceu.

 

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