Descriminalizar o porte de droga desagrada delegada
O relator da ação penal, o ministro Gilmar Mendes, é favorável à mudança na lei, mas como forma de transição para se criar mecanismos mais eficazes para reduzir consumo
LUIZ EDUARDO ROSA
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início à análise de uma ação penal que pode culminar na descriminalização no Brasil do porte de drogas para o uso pessoal. O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, é favorável à mudança na lei. A apreciação do caso acabou paralisada por um pedido de vistas, mas a votação deve ser retomada ainda em setembro.
Para a delegada do Grupo Especial de Repressão a Narcóticos (Genarc), Carla Monteiro, a descriminalização do porte seria desastrosa. “Facilitará ainda mais a traficância. A linha entre o que é tráfico e quem é usuário é vista de forma diferente por quem está trabalhando nas ruas, como a policia”, afirma.
Segundo Carla, muitos pequenos traficantes já conseguem se livrar de penas mais duras quando estão sendo julgados. Com a mudança que pode acontecer a partir de decisão do STF, a circulação de droga ficaria mais liberada do que se é hoje. Os casos de reincidência tendem a aumentar.
Inclusive, quando se fala em prisões reiteradas vezes, o Genarc tem casos de detidos que da primeira vez são enquadrados como usuários, mas em uma segunda ocorrência já aparecem com quantidade suficiente para responder por tráfico. Segundo a delegada, caso o artigo 28 da Lei de Drogas seja simplesmente tornado inconstitucional pelo STF, a Justiça não poderá contar com o registro de antecedente para montar um inquérito mais completo, com relato completo do traficante.
A dificuldade de uma legislação clara sobre a definição de usuário e traficante, de acordo com a quantidade de drogas portada pelo suspeito, foi apontada em reportagem do JE em abril deste ano. “Quando a quantidade de entorpecentes é menor, fica muito no limiar entre o uso e o tráfico”, afirmou o ex-titular da Genarc e atual delegado do Grupo de Investigação Homicídios, Cleiton Lobo. Ele apontou que a prisão ou não do traficante é decidida pela interpretação e determinação do juiz, e não por uma legislação clara, que estabeleça quantidade que diferencie o usuário do traficante.
Já por parte da Polícia Militar, o comandante do 3° CRPM, coronel José Antônio Lemos Filho, diz que a abordagem e a condução à delegacia continuarão do mesmo jeito, independentemente da quantidade de drogas, até que haja a definição legal do STF.
Tráfico
O grande traficante cada vez mais tem vendido sua droga no varejo para evitar, em caso de prisão, que a quantidade se torne um agravante que poderia levar o juiz a ampliar a pena. Segundo a delegada Carla Monteiro, entorpecentes são estocados nos chamados ‘mocós’, acessados por quatro a cinco pequenos traficantes, que acabam fazendo a venda ao consumidor final.
A polícia até consegue prender esses pequenos traficantes, mas com pouca quantidade de drogas em mãos. Caso haja a descriminalização, eles poderão se passar tranquilamente por usuários, embora estejam vendendo aquela pequena porção de maconha, crack ou cocaína.
Na apreensão de 20 quilos de maconha feita essa semana pelo Genarc, a dinâmica era justamente essa: pequenos traficantes iam até o imóvel descoberto pelo Genarc e saiam com poucas pedras de crack, que eram vendidas nas ruas.
A ousadia dos criminosos impressiona: nessa investigação específica, os agentes do Genarc estavam sendo monitorados pelos traficantes. “Não entendo como a comercialização de uma substância é proibida e o seu uso é permitido”, opina a delegada.
STF
Ao votar pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei das Drogas, que criminaliza o porte de drogas para uso pessoal, o ministro relator Gilmar Mendes disse que a descriminalização se tratava de medida de transição até que se estabeleçam novas regras para a prevenção e combate ao uso de drogas.
“Ainda que o usuário adquira as drogas mediante o contato com o traficante, não se pode imputar a ele os malefícios coletivos decorrentes da atividade ilícita. Esses efeitos estão muito afastados da conduta em si do usuário, a ligação é excessivamente remota para atribuir a ela efeitos criminais”, argumentou.
Em efeito, a inconstitucionalidade do artigo 28 estabelecerá que nos casos de flagrante, a fim de dar validade à prisão preventiva, será necessária a apresentação imediata à presença do juiz. Ou seja, não havendo provas suficientes da traficância, o portador não poderá ser detido preventivamente até a apresentação ao juiz.
O voto expressado pelo ministro propôs que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) diligencie com Tribunais de Justiça, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde e Conselho Nacional do Ministério Público que façam os encaminhamentos necessários para que o artigo 28 seja aplicado em procedimento cível e não mais penal.
Isso significa que o CNJ a partir de então orientará os órgãos do Judiciário de forma a articular estratégias de prevenção e recuperação dos usuários e também em seis meses regulamentar a disponibilidade maior dos juízes para que seja mais imediata a apresentação do suspeito preso. Assim o juiz em tempo breve já definiria com as provas do flagrante se o suspeito é usuário ou traficante.