Lá fora… Com os espíritos

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IRON JUNQUEIRA

O generoso homem de fé, idoso, calmo, vestindo roupa simples, camisa abotoada à altura do gogó, mangas abotoadas nos pulsos, camisa xadrezada, veio de manhã alegrar as crianças do nosso Espaço de convivência “Humberto de Campos”, trazendo-lhes guloseimas, acompanhado de alguns familiares, esposa e filho.

—Eu mesmo quero distribuir.

— Será o senhor mesmo. Podem entrar.

Ele entrou, mas esposa e filho não quiseram acompanhá-lo até a criançada.

Neste momento, o caridoso senhor pediu sua esposa e seu rapaz que o ajudassem a distribuir os doces, ao que o referido senhor disse:

— Vamos, filho e Eunice: tragam os pacotes.

O que ambos recusaram fazer. Mas a secretária da instituição, educadamente, convidou o jovem: — Entre! Ajude seu pai a fazer a festa! O rapaz atendeu com alegria. E a senhora, não quer ir?

— Não. Espero aqui fora. Vendo a estátua do Chico Xavier no jardim de frente, arrematou: — Melhor! Espero por eles dentro do carro. O esposo e filho entraram e distribuíram fartamente os comestíveis. Uma das monitoras ousou sugerir:

— Senhor: nosso Espaço de Convivência no Lar tem o contra turno. Quer dizer: se o senhor deixar comigo a metade deste lanche, darei esses doces e pipocas para as demais crianças que chegarão da escola daqui a pouco. Mas ele:

— Não. Vou dar tudo para estes aqui. Eu mesmo quero entregar. Quero que Deus veja.

Seu filho já estava alegre, enturmado, entusiasmado. Sua mãe lá fora dentro do carro.

— Por que sua mãe não quis entrar? Indagou a atendente.

— Porque ela é de uma religião contrária ao Espiritismo… Ela diz ser proibida de entrar em casas que não sejam do credo dela.

— Mas, aqui, tem funcionários que são da mesma crença dela… Ademais, aqui só se faz o bem, são todos cristãos, o mesmo Deus. E o rapaz:

— Sei disso. Mas não sei porque eles têm essa discriminação.

Terminada a distribuição, o senhor e seu filho agradeceram a chance de fazerem o bem — não admitem a palavra caridade — agradeceram e saíram, anunciando:

— Ano que vem estaremos ai de novo.

— Sim, senhor.

Lembrei-me então de outra vez que uma família inteira veio fazer uma festa para as minhas crianças e todos entraram e brincavam com a garotada. Fui lá fora, na porta da casa, ver se estava tudo em ordem junto aos carros dos visitantes. Tudo tranquilo, graças a Deus.

Quando fui entrando, um vulto que estava sob a fronde da sempre lustrosa surgiu à minha frente, saindo da penumbra e me chamando:

— Iron…

— Sim? Reconheci: era conhecido médico da cidade, que me dizia:

— Como é que pode…

— Olá, doutor! Está com a família que visita o Lar das crianças?

— Sim.

— Por que não entra e participa?

— Não, não posso.

Percebendo que se tratava de gente fundamentalista (de alguma fé) entrava para a casa, indiferente ao que o homem dizia ou pensava — com licença…

— Não, espere, disse o doutor, que falou: como pode um senhor inteligente, que cuida dessas crianças há anos, a vida toda, gente boa, como pode ser de uma religião dessas?

— Dessas? Como, doutor?

— De espíritos…

— Mas o senhor é um espírito…

— Não, Deus me livre…

— Então, quem comanda seu corpo, sua mente?

Ele pensou… Pensou… E como ficasse calado, vi que iria perder tempo e entrei e ele ficou lá fora… Certamente em companhia de inúmeros espíritos, sem o saber. É isto.

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