“Mesmo com a crise, a Cultura manteve os eventos”
Em um período de crise econômica crônica a Cultura é um dos setores mais suscetíveis ao corte ou a retração, seja no poder público ou na sociedade civil
LUIZ EDUARDO ROSA
Em um período de crise econômica crônica para alguns, e para outros somente uma desaceleração do crescimento, a Cultura é um dos setores mais suscetíveis ao corte ou a retração, seja no poder público ou na sociedade civil. Apesar deste quadro, as ofertas de recursos para a área não cessaram, em alguns campos há até crescimento. O secretário municipal de Cultura, Augusto César de Almeida, aponta uma austeridade no orçamento sem comprometer as ações da pasta e um saldo positivo quanto à busca do público para eventos e manifestações culturais. Uma das preocupações levantadas pelo gestor é a consolidação total do Sistema Nacional de Cultura (SNC) com a adesão de Goiás, para o futuro repasse de recursos financeiros.
Como a Cultura se organizou para o corte de 9% no orçamento orientado pelo prefeito às secretarias? Há impacto nas ações?
O que fizemos foi aplicar essa redução no custo dos eventos. Tomamos como diretriz não deixar de realizar os eventos, porém adequar a planilha deles a essa realidade orçamentária que foi criada com o contingenciamento. Garantimos a realização dos eventos dentro da margem de redução do orçamento que foi colocada para nós. Não tivemos a possibilidade de ampliar estruturas e contratações, mas não tivemos redução também. Estamos trabalhando em cima daquilo que é possível e não o que é ideal. Ajustamos nossas ações às possibilidades que a dotação orçamentária permite. Enxugamos alguns custos para não ter que fazer corte, mas também sem possibilidade de ampliar a equipe para algumas necessidades que temos. O que aconteceu conosco foi uma redução de algumas pessoas que estavam na Secretaria de Cultura emprestados e tiveram que voltar para suas secretarias de origem.
Foi reduzida a oferta de recursos oferecidos pelo Ministério da Cultura através de convênios e fundos?
Não vi redução, acredito que eles continuam da mesma forma. Tivemos alguns desses convênios realizados, como aqueles mais voltados às ações culturais, como o ponto de leitura do Minc. Nós abrimos editais e fizemos isso para selecionar quatro pontos de leitura. Nesse convênio estamos já na fase de prestação de contas. Outro convênio grande foi a construção do Centro de Esportes e Artes Unificadas (CEU), no Jardim Alvorada. Tivemos também um convênio com o governo federal, no Ministério da Justiça, mais especificamente no Fundo de Defesa do Consumidor, que será usado para fazer a licitação da restauração da antiga Estação Ferroviária. Já estamos na etapa de assinatura de contrato. O Minc tem lançado muitos editais para a sociedade civil e percebemos que o ritmo deles continua o mesmo.
Quando chega a crise, a população corta algumas despesas e a cultura entra nessa lista. Isso faz com que haja uma queda no público dos eventos?
Tivemos o inverso dessa hipótese. O que houve na verdade foi um aumento de público. Apresento alguns exemplos. Temos alguns eventos que já têm uma grande presença de público, principalmente na área da dança e da música. As academias de dança estão muito ativas na cidade, acabam por envolver um grande público. Tem ainda as apresentações do Encontro de Corais de Anápolis, que reúnem muitas pessoas por conhecerem os coristas ou ser já um público cativo dessa arte. Um dos destaques que tivemos foi a Mostra de Teatro em julho deste ano, pois iniciamos com um público pequeno em edições anteriores e na medida em que fizemos com que esse calendário tivesse uma frequência percebemos um aumento de público. Durante a semana do evento o Teatro Municipal ficou cheio e houve uma grande procura pelas apresentações nas ruas e parques. Neste caso da Mostra de Teatro, para mim é um sintoma de que o público aumentou. Outro destaque que tivemos foi o Festival Anapolino de Música com um público recorde em relação às edições passadas. A política de se fazer mesmo que tenhamos que adaptar o orçamento do evento na disponibilidade que a prefeitura apresenta é um acerto hoje. É melhor fazer um evento em estrutura reduzida de forma a fidelizar esse público. É melhor reduzir o orçamento do evento do que deixar de realizar. Quebrar o calendário sem mais uma edição de um evento já demarcado pode significar um prejuízo em termos do atendimento ao público e em relação à credibilidade da realização em si.
E o mercado local que gira entorno da produção cultural, houve retração?
Avalio que caso essa crise não tem atingido a área de cultura, diversão e lazer. No nosso caso, as realizações da prefeitura não têm cobrança de ingresso, mas os eventos de outras entidades privadas não sofreram retração. Percebo um aumento de músicos que sobrevivem de tocar nos bares e casas noturnas, o que é positivo, apresentando um crescimento do mercado. Não tenho pesquisas mais apuradas no momento, mas percebo que não há fechamento ou queda de compras nas lojas de equipamentos musicais. Nas lojas que vendem artigos para dança, percebemos uma demanda crescente de alunos de ballet e outras modalidades coreográficas. As atividades de lazer tiveram uma grande procura, se analisarmos um caso fora da nossa cidade, porém em um município vizinho como Pirenópolis. A cada feriado as pousadas de lá estão lotadas e vemos um movimento muito grande de pessoas por lá nestas ocasiões. Na área de produção cultural e o setor de entretenimento não percebo uma retração a ponto dos profissionais da área reclamarem que está havendo problemas com falta de serviços e clientes.
Como está a previsão orçamentária da Secretaria de Cultura para 2016?
A proposta da prefeitura para a lei orçamentária de 2016 foi enviada ao Legislativo, porém a Câmara ainda não votou o projeto de lei. Para o próximo ano, fizemos o planejamento mantendo o orçamento deste ano mais o índice de inflação acumulado do período. Mesmo que façamos algum ajuste segundo o que for considerado e votado na Câmara, a nossa postura se manterá em garantir a realização do que vem sendo feito quanto ao calendário de eventos, a política de formação, o funcionamento do programa cultura para todos e manutenção dos núcleos de educação artística. Vamos reduzir no que for necessário para adequar o orçamento, mas dando continuidade às atividades.
Como será preparado o Fundo Municipal de Cultura (FMC) para o próximo ano?
Temos nos esforçado para garantir que o FMC seja uma realidade dentro de um panorama maior do que é a nossa política cultural em âmbito municipal. O que temos na realidade é o FMC operando com aquilo que é disponível no orçamento do Município. Porém, sabemos que para que ele seja um fundo que venha a atender as necessidades do setor cultural da cidade, ele precisa ser incrementado. Neste sentido é necessário que o governo estadual faça o papel dele também, que é finalizar sua inserção no SNC, para que haja o repasse das três esferas federativas. Temos a expectativa que possamos ter essa regulamentação federal da maneira a realizar os repasses fundo a fundo. O Minc faz esse trabalho desde o início do ano, realizando os estudos para regulamentar o repasse. Tendo a regulamentação definida e aprovada, porém se o Estado não consolidar o seu sistema estadual, não se consolidarão os repasses entre as três esferas e a integração total. Esperamos que isso aconteça neste ano ou no próximo e que os mecanismos estaduais possam ser incrementados com a implantação do Sistema Nacional para que se possa ampliar o montante repassado ao Fundo Municipal.
Esta ampliação viabilizaria o aumento do Fundo Municipal em que valores?
Isso somente será bem definido com a regulamentação do SNC. O Município, por exemplo, destina 1% do orçamento municipal para o setor da Cultura; o Estado teria que direcionar 1,5%; e a União 5%, isso segundo a Lei do Sistema Nacional de Cultura. Se pudermos utilizar esse percentual em relação ao FMC, então teríamos uma possibilidade em que se R$ 400 mil significa 1% da arrecadação que já é aplicada no nível municipal, o Estado entraria com R$ 500 mil e a União com R$ 1 milhão. Ainda não estão regulamentados os repasses de um fundo para o outro entre os entes federativos. Se no final das contas pudéssemos no mínimo dentro do SNC, receber no município o mesmo montante aplicado pelo Município, também pelo Estado e pela União, aumentaríamos o FMC para chegar a R$ 1,2 milhão, ou seja, a soma com R$ 400 mil de cada ente federativo investindo em Anápolis.