É a fome
Iron Junqueira
Scartezine me contou que, de todos os pratos, o que menos o agradava era o jiló, mas que esse legume acabou por dar-lhe primorosa lição.
Em companhia de outros tratoristas, ele fora para o denso interior das matas goianas, numa localidade onde teriam que efetuar extensa terraplanagem.
Orientados pelo Engenheiro da empreitada, levaram sortimento para três dias, o espaço de tempo calculado para que terminassem o trabalho.
Só que o trabalho não pôde ser realizado somente nesse prazo; pedia mais tempo; e foi quando o sortimento deles acabou passando os trabalhadores a experimentarem sérias dificuldades, porque o Engenheiro — que podia buscar suprimentos — tinha voltado à cidade, acreditando na exatidão dos seus cálculos.
Lá pelo terceiro dia, esgotados os mantimentos, os operários sentiram a fome na sua expressão mais intensa, principalmente o Scartezine, o homem de porte agigantado, campeão no garfo e no peso.
Vencido mais um dia, e desconfiado que o Engenheiro — ou algum emissário da Empresa — poderiam demorar mais, montaram todos numa só maquina e rodaram em direção a um ranchinho que sabiam existir, a uns trinta quilômetros dali.
Quando avistaram o casebre, pareciam enxergar um castelo encantado, tamanha era a fome que os dominava. Desceram do trator e o Scartezine disse, falando em nome dos três outros companheiros, a uma velhinha que os atendia.
— A senhora não tem alguma coisa aí pra gente comer? Estamos sem comida a mais de três dias…
— Vamos entrar meus filhos. Vou ver o que tenho pra vocês.
Enquanto os homens se serviam de um pote d’agua, depois se sentavam num banco comprido encostado na parede de pau-a-pique, botando os chapéus nos joelhos e limpando o suor da testa comas costas das mãos, escutavam a simpática anfitriã remexendo vasilhas e comentando, com sua vozinha estridente e maternal:
— Não esperem que eu vá conseguir arroz, feijão ou galinha, meus filhos, porque eu moro sozinha aqui e vivo do que Deus me serve.
“Poxa! Pensava o Scartezine, já muito preocupado — se ela não tem arroz, não tem feijão, nem galinha, o que irá nos dar para comer? De que viverá essa mulher”?
E ela:
— Mas do que Deus me servir, no dia, fico feliz; e se alguém precisar, sirvo-o com o que Deus me serve. Entenderam?
“… Se não tem arroz, nem feijão, decerto não terá nem um ovo…” Pensava o Scartezine.
Mais alguns minutos e excelente cheiro de comida inundou o ambiente, aguçando mais o apetite dos operários.
“Hummmm!” Alegrou-se Scartezine — “Se demorar mais um minuto, garanto que morro”!
A velha botou a comida nos pratos e chamou os homens.
Os quatro se levantaram, cataram seus pratos e, avidamente, devoraram a comida.
— Que bom! Tem mais? Tinha. Os quatro se fartaram.
Minutos depois, passado o desespero da fome, Scartezine verificou que havia comido somente jiló com farinha, num preparo muito especial. Foi então que ele exclamou:
— Só agora descobri uma coisa…
— O que, fio?
— O que faz a comida gostosa não é a cozinheira: é a fome.