Os três embustes, por Iron Junqueira

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Iron Junqueira

“O meu peão é feito de goiabeira ele só roda com a ponteira, na palma da minha mão”…

Era um xote, não? Eu gostava disso. Um dia deixaram que me pusessem uma saca de açúcar de sessenta quilos nas minhas costas. Eu tinha doze anos e as perninhas pareciam emborcar-se e afundar para dentro do piso e levei o pesado fardo até o interior da fábrica. Isto o fazia às vistas de todos os adultos da fábrica de refrigerantes.

Quando cheguei ao local de largar o peso deixei-o cair ao chão. Mas eu nem me sentia tanta era a dormência em todo o corpo. Um cansaço! Um arrependimento! Ninguém para impedir aquela extravagância… em troca de quê? Ninguém elogiou, nem agradeceu nem falou nada. Nem uma bronca de alguém para alguém tipo:

— Por que fizeram isso?

Não. Nada disso houve. Meu corpo bambo e doido foi parar debaixo de uma árvore onde me deitei para aliviar o físico. Ali eu dormi até o final do dia. E ninguém, pra ver se eu estava bem ou se havia morrido.

Gente, passei o resto do ano com aquele cansaço horrível, sem nada clamar para ninguém. Achavam que eu estava bem e assim fiquei. Até hoje.

Aos 13 anos cometi outra loucura. Eu tinha o físico meio fortinho e todo menino bobo me chamava pra “ferrar” uma luta e, mais bobo ainda, eu aceitava, só para não parecer medroso ou covarde.

O Guilherme, mesma idade só que um pouco mais alto, veio a mim e propôs:
— Vamos dar um soco um no outro pra ver quem “derroba” quem?

E a molecada fazendo público. Cada moleque dizendo pra quem torceria. O Guilherme me pega distraído e me dá um tranco forte no peito. Quando fui pra acertar-lhe o meu murro surgiu o Padre Conselheiro que me impediu:

— Nada dessas brincadeiras malucas aqui!

— E eu vou ficar sem dar o meu murro? Reclamei.

— Vai! Aqui não é ringue de briga. Vai cada um pra sua sala fazer suas tarefas. Aliás, vão-se todos.

Entramos pra sala de aula e eu fiquei sem dar o saldo que devia ao Guilherme. De outra topada com o colega, o Guilherme não quis nunca mais saber de mim. Nem da minha amizade.

Ser homem no meu tempo de menino era duro. Não podia apanhar na rua ou apanhava em casa. Não podia machucar-se acidentalmente nem chorar. Que homem não chora.

Já contei. Mas só para completar a história. Na adolescência para mostrar que já era homem, juntamente com colegas da mesma idade, influenciado pelos mais velhos, tinha que beber três “caipirinhas” (cachaça com limão); sentados na mesa do bar, num banco alto, cada qual bebia sua taça da branquinha, uma por uma, sem fazer careta.

— Lá vai a primeira! E os três bobinhos — nhac! Engolia a primeira talagada da margosa!

— E dois! Vap! Os três bobinhos mandavam a “marvada” pra dentro.

— E já! — os três tontinhos de olhos cerrados mandava a última engolida.

— Uaaaaaaa!

Era o grito de guerra. Então o Altamiro Carneiro, o chefe dos debutes, berrava:
— Pronto! Vocês agora são homens!

— Agora… Dizia o Carlito (Carlos Miranda de Melo) nós já podemos ir lá pra onde estão as mulheres? Ele falava ga-gaguejando devido ao efeito da “cana”, vermelho mais que pimenta porque ele era branquinho…

— Vamos sim. Mas espere um pouco… Altamiro queria saber se nós estávamos todos bem. O Luizinho Fernando da Silva Jr. estava com as pálpebras paradas no meio dos olhos, vendo tudo em duplex. Sentado no banco alto eu esperava os dois colegas descerem pra ver que rumo tomar.

E o Altamiro explicava:

— Agora nós vamos lá pra zona, onde estão as mulheres. Lá é que vamos ver se vocês já são homens mesmo.

O ambiente do bar girava em torno de nós. Cada qual com cara imbecil. Tudo que via achava graça.

— Altamiro, explica pra nós como é que a gente faz com as mulheres… — Pediu o Carlito.

— Chegando lá é fácil. A gente já nasce sabendo fazer essas coisas!

— Oba!

— Então desçam dos bancos e vamos!

Quando nós três descemos dos bancos altos, cadê os bancos?

Bêbados, caímos os três dos bancos com as caras diretas no chão do bar.
E lá ficamos até a manhã seguinte.

… Quando nossos pais chegaram pra nos levar pra casa.

— E as mulheres? Gritou o Luizinho…

Ah! Mulheres mesmo foram as mães de cada um nos dando uma pisa em casa…

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