Psicóloga do Conselho Tutelar fala sobre motivos que levam jovens a fugir de casa
LUIZ EDUARDO ROSA
Na edição passada, o JE mostrou que é cada vez mais comum em Anápolis a fuga de adolescentes do lar. A psicóloga do Conselho Tutelar de Anápolis, Larissa Priscila Fernandes de Moraes, descreve quais são os aspectos mais relevantes dessa questão.
Quais os motivos mais comuns que levam os adolescentes a fugirem de suas residências? Como os pais se encaixam nestes quadros problemáticos?
Os principais motivos são os conflitos familiares, a falta de tempo dos pais ou responsáveis (cuidadores) para conhecer seus filhos, trocar experiências e participar da educação deles. Na maioria dessas fugas de seus lares, os adolescentes trocam por alguns dias (até serem encontrados) a sua cama, comida, roupas, acessórios e todo o conforto que a família pode proporcionar, para estarem na rua, no frio, dormir em praças e etc. Não é somente um fato de responsabilidade exclusiva da família pelo desaparecimento. Neste casos deve levar também em consideração que na adolescência há uma busca por identidade, a necessidade de participar de grupos, o despertar da sexualidade e muitas questões subjetivas. A família exerce um papel fundamental na construção do indivíduo, porém muitos sentem um desejo de afastar das figuras parentais. Estar atento a sinais de mudança de comportamento faz com que os cuidadores percebam e até antecipem reações como fugir ou planejar a fuga de casa.
Na edição anterior do JE, os conselheiros tutelares elencaram os três “estopins” para a fuga do adolescente de seu lar que são as drogas, relacionamentos não aceitos pela família e aliciamentos através das redes sociais. Como você avalia os três estopins?
O conflito familiar é a maior causa dessas fugas. É importante que os cuidadores exerçam a função de educar e orientar o adolescente. Mesmo com pais permissivos, houve casos de fugas geradas por situações de desconforto social; como o uso de drogas, assumir outra identidade sexual ou mudanças estéticas e físicas. A ideia não é que se permita ou proíba, mas que se ensine, pois o dialogo é construtivo nas relações entre pais/cuidadores com os filhos. Um adolescente que adquire conhecimento a partir desse diálogo com os cuidadores, terá mais discernimento em relação ao que os outros lhe oferecem ou ensinam. No geral, podemos estabelecer estes três estopins, mas as raízes são os conflitos familiares e a falta de tempo para estar atento ao desenvolvimento do adolescente ou da criança.
O que o adolescente quer expressar à sua família com a fuga?
Os adolescentes sentem-se incompreendidos e algumas fugas exercem um poder de protesto. Por outro lado, temos também os que fogem por terem sofrido alguma negligencia ou violência doméstica contra ele ou suas mães, a violência sexual e também as vulnerabilidades da harmonia do lar; como alcoolismo e drogadição dos membros da família. A fuga representa, em parte dos casos, a forma que o adolescente encontrou para sobreviver. Neste sentido, quando falo de “sobreviver” vai além de manter seu corpo vivo, é para ter condição para manter vivos os seus ideais. São ideais a respeito da família, religião, sociedade, sexualidade. Em alguns momentos a fuga é pra se manter saudável.
Um adolescente que se assume sua identidade LGBT, o que se observa quanto à fuga no contexto familiar?
A sexualidade no geral tem sido um problema para as famílias, os adolescentes que se percebem da comunidade LGBT sofrem mais, porque ainda vivemos um preconceito social. Na maioria dos casos, os pais estão mais preocupados com o que os outros vão falar de seus filhos, do que construírem um pensamento próprio a respeito do assunto. Os adolescentes estão despreparados. Mesmo com as palestras de educação sexual nas escolas, percebe-se um despreparo muito grande. Entre os alunos ainda há muitos mitos a respeito das doenças sexualmente transmissíveis (DST’s), preservativos e gravidez. Educar é papel da família, é urgente que os pais reservem cada vez mais tempo para transmitir conhecimento aos filhos.
Em relação ao uso de drogas, o que o adolescente apresenta de motivos que geraram a fuga?
O que é colocado por outros jovens e adultos é a ideia erronia de que as drogas são boas, que fazem bem e que os pais são tão antiquados e velhos que não percebem isso. A realidade é bem diversa, mas eles não aceitam, pois não há dialogo ou relação construída entre o adolescente e seus familiares. Falta aos cuidadores perceberem o adolescente enquanto indivíduo com vontades e desejos.
Sobre as redes sociais, o que se percebe na relação entre adolescente e a pessoa que faz o convite à fuga?
Quando o adolescente ou a criança passa tempo demais em contato com as redes sociais, há em contrapartida alguém do outro lado que está ganhando esse mesmo tempo com essa criança ou adolescente. Dessa forma se cria um vinculo de confiança com essa pessoa através da internet, fazendo o que muito dos pais e responsáveis não tem tempo pra fazer. Não apenas ao convite de fuga, mas também à troca de material pornográfico e etc.
Os casos de desaparecimento de menor são mais característicos em extratos sociais de classe média e alta? Que perfil social pode ser elaborado para a maioria destes casos?
Quando se fala de classe social podemos diferenciar um pouco os aspectos que conferem a adolescência. Para as classes média e alta, a adolescência é estendida e pode variar até seus 21 anos. Nas classes baixas, ou seja, a de pessoas com dificuldade de manter a necessidades básicas, o adolescente sofre de envelhecimento precoce, alcançando a fase adulta entre 15 anos e 17 anos. Ser adulto é ter independência, conseguindo prover suas necessidades físicas, materiais e psicológicas. As fugas acontecem em todas classes, os motivos podem ser os mesmos, porém nas classes média e alta as fugas em maior parte estão ligadas à construção da identidade. Nas classes baixas, há uma necessidade de sobrevivência psíquica, o que na verdade perpetua essa característica, pois mal passou pela adolescência e já é provedor ou genitor de outra nova família.
No regresso do adolescente à família, estes conflitos tem reconciliação ou permanecem? O que podemos descrever sobre este regresso?
Só há mudança se os indivíduos envolvidos no conflito forem protagonistas dessa transformação. Na maioria dos casos aqui atendidos, o conflito permanece, pois não houve empatia dos familiares com os adolescentes. Geralmente os pais e responsáveis acreditam que a fuga é “pouca coisa”, uma desobediência ou molecagem corriqueira, quando na verdade se trata de um alerta.
Qual a sensação relatada pelos adolescentes sobre o período em que ficou desaparecido?
Em sua maioria relatam momentos de terror, dormir sozinhos, frio, fome e medo. Porém concluem que foram os melhores momentos que já tiveram, pois puderam “serem eles mesmos”. O que gera a pergunta mais importante, na minha opinião, que é “o que faz um adolescente ou uma criança largar seus pais e passar por momentos difíceis?”. As respostas diferem, aparecem tanto a necessidade de fugir por negligência da família, quanto ao fato da construção de identidade, em meio a falta de empatia familiar. Em ambos, gera no adolescente um sentimento de que ele não é compreendido.
O que pode ser melhorado no atendimento do Poder Público para estes casos?
Anápolis tem crescido bastante e é indispensável que as redes de atendimento à criança e ao adolescente cresçam também. Percebo que estamos dentro do proposto orientado pelas politicas públicas. Neste sentido, o mais interessante seria que os pais ao perceber os sinais, busquem ajuda aos filhos e nós podemos oferecer. O Conselho Tutelar está de portas abertas para orientar e ajudar nos conflitos familiares, para que se reduza a violência e os problemas enfrentados pelas crianças e adolescentes.
Qual orientação aos pais, para evitar que se chegue às situações de fuga?
Ter um relacionamento mais próximo dos pais e cuidadores com os filhos, ouvi-los, participar de sua educação, ter atenção com quem se envolvem e quais as opiniões expressadas por eles. A fuga ainda é uma incógnita, por isso é interpretada de várias formas. Há pais que consideram a fuga como algo banal, há outros que preocupam com o mínimo extrapolar do horário, outros que acharam bilhete declarando as razões de desaparecer e outros pelo não atendimento do telefone celular. É importante perceber os sinais, ter atenção se o adolescente está saindo e deixando de seguir a rotina da casa. Também é importante alertar nos casos em que está passando tempo em excesso nas redes sociais.
No caso de fuga, qual a melhor forma de proceder? E no regresso?
É importante já buscar ajuda antes que o adolescente permaneça durante um período longo de horas, que o cuidador considere inadequado fora de casa. Nos casos de desaparecimento é necessário comunicar a Polícia Civil. A Lei da Busca Imediata nº 11.259 de 30 de dezembro 2005, prevê que não é necessário esperar 24 horas. Procure a mídia e divulgue o desaparecimento, vá aos lugares frequentados ou de agrado do adolescente, para ter certeza que ele não esta lá. No regresso do adolescente desaparecido, seja por molecagem ou por desentendimento com a família, o melhor é manter a calma e buscar ajuda para resolver os conflitos familiares. O acompanhamento psicológico dos membros da família pode ajudar na reconstrução dessas relações familiares.