Eu não consigo mais ouvir falar | por Marcos Vieira

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Final dos anos 1970, o filme “Os Embalos de Sábado à Noite” fez de John Travolta um ídolo mundial. As cenas do ator dançando ao som do Bee Gees foram repetidas a exaustão. Tinha pôster, música tocando em rádio, na vitrola de casa e nas discotecas que a Globo tentou copiar na novela. Mas tinha o punk.

E tinha uma banda chamada AI-5 que decidiu então compor John Travolta, mais tarde regravada pelo Ratos de Porão. E a singela canção, completamente proibida para execuções públicas pelos militares da censura, trazia o seguinte verso: “Eu não aguento mais ouvir falar em John Travolta”. Simples assim.

Quase 40 anos depois, eu compartilho o sentimento de overdose que fez uns moleques do subúrbio paulista, sem lenço nem documento, sem dinheiro para o exílio em Paris: “Eu não aguento mais ouvir falar nos ministros do STF”. Por favor, senhores, falem apenas nos autos.

Até outro dia essa era uma certeza que os jornalistas tinham: o juiz não se pronunciaria, pois já tinha dito tudo na sua sentença. Hoje, antes mesmo de o pessoal da TI subir o texto da decisão no site do STF, tem ministro dando entrevista e, para piorar, depreciando o colega que tenha posição contrária.

Esse talvez seja também um reflexo do nosso tempo. Os ministros da maior Corte nacional estão tão intolerantes em relação a posições que não concordam, da mesma forma que um maluco fala impropérios na internet para alguém que se arrisca a escrever algo se posicionando sobre determinado assunto.

Já que falei em anos 1970, em Ditadura Militar, é bom recordarmos: naquela época, discordar poderia levar a morte. Foi isso que o governo fez com muitos que não concordavam com as ideias do regime. Para ser bem claro, embora tenha muita gente que ignore: matava-se usando dinheiro público, dos impostos. E não, o Brasil não avançou como muitos pensam. Trata-se de um raciocínio raso defender isso.

Hoje discordar também parece ser crime. E quem condena é aquele que tem posição contrária. Não importa se é ministro do STF, debatedor de Facebook ou filosofo de boteco. Sempre vai ter alguém pronto para achincalhar o próximo que pensa diferente. Por que chegamos a esse ponto? Talvez porque a internet deu voz a uma legião de idiotas. Talvez porque a humanidade não seja boa, apenas contida por leis punitivas. Enfim, que alguém decrete a paz. E que o STF não revogue essa decisão.

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