“Número de casos de violência contra a mulher é assustador”

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FERNANDA MORAIS

Na passagem do dia 8 de março, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a responsável pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) em Anápolis, Aline Vilela, divulgou estatísticas preocupantes relacionadas à violência doméstica. Segundo ela, somente em janeiro e fevereiro deste ano, foram registradas 194 ocorrências na Deam. Deste total, foram contabilizadas 34 prisões em flagrante de agressores. A maioria dos procedimentos instaurados no local se refere ao crime de ameaça, seguido dos crimes contra a honra, lesões corporais e até tentativas de homicídios. Para a delegada, a mulher deve procurar ajuda policial a partir do momento que sentir a possibilidade de ser agredida. Aline Vilela deixou ainda uma mensagem para as mulheres, incentivando que elas defendam sempre a sua dignidade, independentemente de qualquer situação. Confira a entrevista na íntegra.

Como estão os registros de ocorrências na Deam nos dois primeiros meses de 2017?
Os números são assustadores e preocupantes. Somente em 2017 tivemos 194 ocorrências registradas. Deste número saíram 34 prisões em flagrante. Então realmente é um número expressivo, mas sabemos que é um número subnotificado.

Apesar dessa característica, as mulheres são conscientes da rede de proteção disponível para elas?
Com certeza. Hoje em dia temos diversas campanhas nacionais da não violência contra a mulher, temos personalidades, atrizes encampando essas campanhas, narrando que foram vítimas desses crimes. Acredito que isso encoraja a mulher comum, digamos assim, a procurar a delegacia.

Quando a mulher deve procurar a delegacia?
Temos as exceções que são aquelas que buscam a delegacia de imediato, mas a maioria, quando chega a buscar ajuda policial, é porque já passou por vários tipos de violência, seja psicológica, moral ou física. Tem outras que vem no calor de uma discussão com agressão recíproca, mas a maioria a gente percebe que tolera esses tipos de crimes por mais de uma vez para depois procurar os seus direitos.

A orientação da senhora como delegada é procurar ajuda a partir de qual momento?
Digo sempre o seguinte: somente as mulheres podem colocar fim na violência contra elas. A mulher tem que decidir e fazer a denúncia. Eu oriento que no primeiro momento, seja de ameaça ou agressão, o certo é procurar a delegacia. Nós temos casos em que a mulher procurou a delegacia, iniciou um procedimento criminal e mesmo retornando ao relacionamento com o companheiro agressor, ela deu continuidade ao procedimento. O fato de ela voltar a conviver com o companheiro, seja por questões familiares ou sentimentais, não apagou de sua vida a violência que ela sofreu. Essa mulher compreendeu que o seu agressor precisava pagar pelo que fez até mesmo para evitar novas situações de violência doméstica.

É comum casos de mulheres que registram a ocorrência, mas depois querem desistir do processo?
A lei, conhecida como Maria da Penha, não permite essa desistência na delegacia. A partir do momento que se inicia um procedimento criminal, a mulher não mais poderá desistir. Em alguns crimes em que a ação é penal pública condicionada à representação dessa vítima, aí sim ela pode, no Poder Judiciário, com uma audiência específica, estabelecida na lei, renunciar à representação que ela fez na delegacia. Mas aqui, na especializada, no âmbito policial, ela não pode retirar a denúncia.

Quais as ocorrências mais comuns registradas na Deam?
Em primeiro lugar está o crime de ameaça. Posteriormente nós temos os crimes contra a honra, seguido das lesões corporais até chegar aos crimes gravíssimos como a tentativa de homicídio.

Tem muita reincidência? É comum uma única mulher chega a denunciar várias vezes o seu agressor?
Temos vários casos de reincidência. Por isso volto a dizer como é importante que no primeiro momento, quando a mulher perceber que o companheiro é um agressor, o certo é que ela busque ajuda policial. Ela tem que colocar fim na situação indo até as últimas consequências para evitar a agressão.

O atendimento na Deam vai além do trabalho policial. Como é o trato com a mulher que busca a delegacia?
A Polícia Civil é uma polícia repressiva, ela só age a partir do momento que o crime aconteceu. Mas percebendo que a prevenção é de grande valia, de grande importância, nós temos um projeto antigo que chamamos de “Prevenol”. É uma bula que tem todas as orientações que devem ser seguidas e usadas como um remédio. E isso foi criado para despertar a curiosidade da mulher em ler o informativo em forma de bula. No dia 8 de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, nós participamos de uma ação social com vários serviços gratuitos, onde destacamos a campanha que acontece em todo o Estado de encorajamento das mulheres. Trata-se da Campanha “Não se Cale. Procure uma Delegacia”.

Como é a rede de atendimento à mulher vítima de agressão em Anápolis? A cidade oferece suporte para acolhimento?
Temos hoje, além da delegacia especializada, o Centro de Referência do município que oferece entre outros benefícios, atendimento jurídico e social. Existe esse acolhimento. Infelizmente Anápolis ainda não tem a casa-abrigo, quando necessitamos colocar uma mulher em um local assim, mandamos para Goiânia.

Existe demanda criminal que justifique a criação de uma vara específica no Judiciário para tratar da violência doméstica?
Com certeza. A Polícia Civil, no final do ano de 2016, fez um levantamento estatístico compreendendo todas as delegacias da nossa regional e ficou comprovado que a delegacia que mais encaminha procedimentos ao Judiciário é a Delegacia da Mulher. Isso por si só já justificaria a necessidade de um juizado específico. Além dessa questão, seria bem melhor que todos os envolvidos nessa causa, seja promotor, juiz ou delegado, atuassem em comunhão, tratando do assunto diretamente um com o outro.

Que mensagem a senhora tem para deixar às mulheres pela passagem do dia 8 de março?
A mensagem que eu deixo, em meu nome, e de todos os servidores da Delegacia da Mulher, porque aqui somos uma equipe, é que a mulher já conquistou seu espaço na sociedade. Estamos em todos os meios, mas a principal coisa que temos para conquistar e valorizar são a nossa dignidade. Não podemos deixar nada e ninguém ferir essa dignidade, seja com agressões verbais ou com agressões físicas. A mulher precisa entender isso. Acredito que nunca vamos chegar a um número zero de agressão, sempre vai existir, isso vem desde os primórdios, mas nós temos o poder sim de diminuir esse número. Basta querer.

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