Paixão de um pixote | por Iron Junqueira

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Eu devia ter ali os meus 18 anos. Por aí. Não era mais. Estava sentado num banco do Jardim da Praça Bom Jesus, final de tarde, começo de noite, tentando esboçar uma poesia, solitário e refletivo, quando vi o senhor João Luiz de Oliveira, vindo da direção da matriz passando rente à estátua do Gomes de Souza Ramos. Seu João vestia um terno branco, franzido, paletó aberto de abas ao vento. Vichi! Vinha em minha direção. Olhou-me, bochechas rosadas, um topete fino movido pelo ar. Parou diante de minha pessoa e me indagou:

–– O que você faz garoto?

–– Tento esboçar uma poesia.

–– Posso ver?

–– Seu João, eu tenho vergonha. Afinal, o senhor é intelectual, historiador. Eu sou apenas um rapaz tentando conquistar uma garota de quem gosto.

–– Não conto pra ninguém. Somos amigos. Vamos, filho. Deixe-me ver sua poesia.
–– O senhor não vai rir?

–– Não! Adoro suas crônicas onde você brinca com todo mundo na cidade. Agora quero conhecer os seus versos.

Aproveitei o ensejo e falei ao ilustre amigo de seu cachorrinho pequeno, branco com pinta preta. Um bichinho enredeiro, chato, que latia o tempo todo, enquanto eu esperava alguém buscar o jornal que eu ali entregava. Era um vira-lata que se achava o dono da rua! Devia ser pela fama de seu xará na obra de José de Alencar. Estridente, irritante. Enjoado!

–– Sai pra lá, Peri! Dizia a dona da casa, com seu robe longo de seda, azul, ou Seu João mesmo com aquela mecha pra lá e pra cá, no alto da cabeça. Chegava sorrindo, rosto corado –– parecia o bebê Johnson. Pegava o jornal e eu montava na bicicleta pra sumir da implicância daquele rabicó nanico. Mas, voltando ao que eu dizia, falei:

–– Está bem, Seu João, pode ler. Entreguei meus pobres versos para o respeitável líder citadino que se sentou ao meu lado e começou a ler. Eu olhava a paisagem, sem coragem de espiar a cara do amigo. Então, empolgado, ele disse:

–– Você, nessa idade, já sofrendo, assim, por conta de mulher?

–– Uai, Seu João, por causa do Peri é que não vai ser né?

Ele deu uma boa risada e se dispôs a ler o meu sonetinho em “voz ouvida”… EXPRESSÃO

Quando te fitei, ficaste calada,

E quando me fitaste, fiquei mudo:

No meu.

Não entendes tamanho amor desnudo!

Por mais eu mostre amar-te sobre tudo,

Por mais eu clame, nunca entendes nada.

(Julho, l958).

–– Por que você não o publica no jornal do seu pai? Indagou o político, e eu:

–– Ah, seu João… Um dia fiz uns versinhos sobre a trança de uma menina que passa à porta da gráfica todo dia pra ver se ganhava um sorriso dela, ele os leu e disse que eu não tinha capacidade para fazer versos, porque toda poesia tem um mecanismo, intrincado, que somente os doutores o conhecem.

–– Não sou doutor! Mas os meus sonetos também obedecem às regras… Disse eu a meu pai, diretor do jornal. Não com aquele apuro dos poetas de verdade, mas com o esforço dos amadores. Nem assim ele deu confiança. Seu João retrucou:

–– Vou falar com ele.

–– Não seu João! Ele vai dizer que sou birrento! Conheço a peça. É meu pai!

–– Preocupa não. Vou falar que você está conforme a “bula”. Gostei viu, meu filho! Achei bom demais! Levantou-se pensativo e retomou seu lento andar, cabisbaixo e topetinho esvoaçante até sumir na esquina da Av. Goiás. Foi assim.

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