Crianças, mídias digitais e a cauda da baleia | por Letícia Jury

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Pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, em 2016, apontou que 77% da população brasileira entre 10 e 17 anos era usuária da internet. Ainda conforme a pesquisa, 82% dos usuários entre 9 e 17 anos acessam a rede pelo celular e 32% por meio dos tablets. Outro dado interessante é que 79% possuíam perfil próprio em pelo menos uma rede social.

Segundo estudos da Academia Americana de Pediatria, 75% das crianças com menos de um ano têm contato, em média, 1 hora e 54 minutos com conteúdos audiovisuais e que crianças com menos de três anos já assistem desenhos animados em dispositivos móveis manipulando tablets ou celulares com movimentos interativos à procura de seus personagens favoritos.

Diante deste contexto surgem inúmeras pesquisas científicas sobre o uso intensivo de mídias digitais para a saúde das crianças e adolescentes e os impactos nos processos de crescimento, desenvolvimento mental e intelectual, hábitos de vida saudável ou potencialmente danosos e até mesmo as influências sobre o comportamento social de adultos.

Há um bom tempo os estudiosos das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação têm se debruçado nas investigações acerca do aparecimento de fenômenos preocupantes que estão relacionados às crianças/adolescentes e mídias digitais. Cyberbullying, pedofilia, exploração e abuso sexual têm sido tratados de forma séria e campanhas sociais têm sido desenvolvidas para alertar estes menores e principalmente os pais para os riscos eminentes deste mundo online.

Nesta semana, a sociedade abriu os olhos para este problema, que, como dito no início deste artigo, já tem sido investigado por pesquisadores de todo mundo, por causa das mortes decorrentes do desafio da Baleia Azul. Foram inúmeras as manchetes de jornais e reportagens televisivas. É como se o mundo acordasse para um problema que está aí e ninguém nunca quis perceber!

Como o próprio título diz isto é apenas a ‘cauda da baleia’, fazendo uma analogia à ponta do iceberg. Este é apenas um dos inúmeros jogos mortais que existem na internet, que ganhou repercussão midiática e tem sido alvo de discussão. O que, infelizmente, logo será esquecido pela imprensa. E o questionamento que deve ser feito é: como tratar esta relação crianças/adolescentes e mídias sociais de forma a utilizar as potencialidades da rede e ao mesmo tempo proteger os menores?

Sabe-se que inicialmente o grande desafio era proporcionar o acesso a internet e as novas mídias à população, principalmente a carente. Superada esta barreira, a grande proposta atual é como capacitar a sociedade para a utilização da tecnologia. Como romper a barreira da exclusão digital que está atrelada a exclusão social? Como impedir que crianças e adolescentes que são vulneráveis à violência, ao abuso sexual, à pedofilia no cotidiano, sejam vítimas também no universo online?

Espera-se que o desafio da Baleia Azul, que ganhou repercussão midiática, possa ter efeitos práticos na transformação de uma sociedade que, na minha avaliação, está deslumbrada diante das tecnologias e de forma apática não está fazendo as reflexões e críticas necessárias para a sua utilização. O que se assiste é um uso desordenado pelas crianças e adolescentes sem acompanhamento dos pais ou cuidadores, o que tem resultados em problemas de toda ordem e até mesmo piores que os divulgados pela mídia nesta semana.

A Declaração de Genebra é muito clara ao dizer que construir uma sociedade da informação voltada para as pessoas, inclusiva e orientada para o desenvolvimento, pressupõe análise crítica dos processos, para que todos possam criar, acessar, compartilhar informações e conhecimentos com enfoque na melhoria das condições de vida e respeitando plenamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Será que a sociedade está começando a abrir os olhos para isto? Muito mais que baleias há tubarões, que estão destruindo o futuro destas crianças.

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