Prisão de bando mostra crime cruel motivado por homofobia
De acordo com investigações, a morte da transexual Emanuelle Muniz foi motivada por preconceito de gênero
ANA CLARA ITAGIBA
Depois de dois meses de trabalho, o Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) da Polícia Civil conseguiu solucionar o assassinato da transexual Emanuelle Muniz, 21 anos, que aconteceu no dia 26 de fevereiro deste ano. Ao sair da boate Terra Brasil, no Bairro Jundiaí, em Anápolis, a jovem foi sequestrada e o corpo foi encontrado pela própria mãe horas depois, em uma estrada na zona rural da cidade. Na última terça-feira (2) o delegado responsável pelo caso, Cleiton Lobo, convocou a imprensa para apresentar os suspeitos e a resolução do crime.
Durante a apresentação dos suspeitos, a mãe da vítima, Edna Gomes, mostrou uma foto para eles e perguntou se sabiam quem era. Muito abalada, ela disse que os homens tinham que saber quem era sua filha, porque não tinham o direito de fazer o que fizeram com ela. “Eu tinha que fazer isso, porque eles a pegaram como se ela fosse qualquer coisa. Eu fui mostrar para eles como foi para uma mãe solteira criar uma filha com tantas lutas”, disse Edna Gomes, em entrevista à Rádio São Francisco AM, ao repórter Marcelo Wallace.
De acordo com o delegado, no dia do crime Daniel Lopes Caetano, 20 anos, Reinivan Moisés de Oliveira, 20 anos, Sérgio Cesário Neto, 21 anos, e Márcio Machado, 18 anos, foram ao Terra Brasil com o intuito de se divertirem. No final da festa, por volta da 1 hora da madrugada do domingo (26/2), Márcio abordou Emanuelle, que precisava de carona naquele momento.
Eles entraram na boate para que a vítima chamasse a mãe e o amigo que lhe acompanhavam. Quando chegaram ao carro, saíram de trás de uma árvore o Sérgio Cesário e o Daniel, que na sequência tentaram roubar mediante violência o celular de Emanuelle, que o jogou para fora do veículo para a mãe pegá-lo. Nesse momento, Daniel e Sérgio começaram a agredir Edna para pegarem o aparelho novamente e conseguiram. Não satisfeitos, eles roubaram uma pequena quantia do amigo da vítima, ligaram o carro e levaram Emanuelle junto.
Eram cinco pessoas dentro de um Fiat Palio branco. Durante o percurso, Daniel, Reinivan, Sérgio e Márcio começaram a praticar vários atos libidinosos com a vítima e descobriram que ela era transexual. Nesse momento, resolveram matá-la. Em depoimento na delegacia, os suspeitos disseram que a mataram também por ela não ter entregado o celular assim que eles tentaram pegar.
“A motivação para a prática do crime foi sem dúvida homofobia, mas eles dizem que a conduta da vítima foi errada, pois ela devia ter entregado o celular de imediato. Só que é obvio que esse não foi o motivo, porque qual é a razão deles terem levado a vítima para aquele local se eles já estavam com objeto do crime?”, argumentou o delegado Cleiton Lobo em entrevista ao repórter Marcelo Wallace, da Rádio São Francisco AM.
Emanuelle foi morta a pedradas em uma zona rural próxima à BR-060, no perímetro urbano de Anápolis. No momento do crime, um homem passava pelo local e para não deixar testemunhas, os suspeitos resolveram tentar matá-lo também.
Simultaneamente, a mãe de Emanuelle traçou uma verdadeira saga procurando a filha durante toda a madrugada até o amanhecer. Por volta das 10 horas da manhã os dois corpos foram encontrados pela própria Edna. O pneu do carro em que ela estava coincidentemente furou próximo ao local onde Emanuelle foi morta. Ao andar pelo lugar, encontrou o que tanto procurava. O homem estava inconsciente, mas ainda com vida e foi levado para o Hospital de Urgências de Anápolis (Huana), enquanto a jovem estava nua e morta.
“Eu creio que foi amor de mãe. Nós tínhamos uma ligação muito forte, tanto que na hora que ela foi executada eu senti. A todo o momento eu sentia a direção que eu devia seguir. Eu creio que foi ela que fez o carro parar, porque do nada o carro parou exatamente próximo de onde ela estava”, disse Edna.
O delegado Cleiton Lobo disse que quando chegou ao local do crime a mãe já estava lá. “Enquanto eles estavam ali, uma pessoa passou e informou que viu o corpo bem próximo dali, na pedreira. Nós comparecemos, conversamos com a mãe e solicitamos uma equipe pericial que foi ao local”, contou.
Depois disso, a equipe do GIH foi à casa do homem que foi encontrado junto com Emanuelle, onde conseguiram mais informações. Desde então, começaram as investigação para a resolução do crime. Uma semana antes, na mesma boate, um grupo tinha se envolvido em uma briga. A partir daí, foi possível identificar o dono do veículo, que no caso era Sérgio, e assim foram identificando cada um deles.
“Começamos a receber informações de que pessoas em um veículo Palio saíram do Filostro Machado de forma repentina. Isso levantou suspeitas em relação a esses indivíduos e também conversamos com algumas pessoas do bairro que nos ajudaram”, explicou o delegado que disse que os envolvidos são aparentados.
Na sequência, a equipe do GIH recebeu uma denúncia anônima através do 197, que auxiliou nas investigações. “Diante dessa denúncia que foi nos passado, trabalhamos junto com o que nós levantamos e chegamos a definir a autoria desse crime”, afirma.
O delegado conta que foi uma investigação muito difícil porque é o tipo de crime que não havia vínculos. “Ela não conhecia os indivíduos. Todo crime que não há vínculo entre autor e vítima, se torna uma investigação muito mais trabalhosa”, conta.
Captura
A Polícia Civil descobriu que eles vieram de Goianésia para Anápolis por problemas com outros criminosos. “Pelo menos um é certeza que veio corrido de Goianésia, mas todos tiveram o suporte de parentes que moram na região do Filostro”, conta.
Para chegarem aos suspeitos, a equipe do GIH de Anápolis contou com o apoio da Delegacia de Goianésia, através do delegado Marco Antônio e sua equipe. “Nós repassamos os mandados de prisão para ele, que na sequência deu cumprimento junto com os policiais. Eles foram presos em casa e não esperavam por isso”, disse o delegado responsável pelo GIH.
Antes do crime os suspeitos já eram investigados por tráfico de drogas e roubo em Goianésia. Reinivan Moisés e Márcio, não tinham passagem pela polícia até então. Já Sérgio Cesário e Daniel Lopes tinham.
Crimes
Daniel Lopes, Reinivan Moisés, Sérgio Cesário e Márcio Machado respondem por três roubos, estupro e homicídio qualificado como motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima, tendo em vista que eram vários indivíduos praticando o crime. Somente Daniel assumiu a autoria da morte de Emanuelle, mas o delegado considera que diante dos elementos de prova, todos praticaram o ato. Segundo Cleiton, por várias vezes atiraram as pedras contra ela.
Algumas pessoas que estavam na boate ainda serão ouvidas e terão que fazer o reconhecimento dos indivíduos suspeitos de praticar o crime, mas segundo o delegado Cleiton Lobo será só para concluir o inquérito policial. “Não temos dúvidas que foram eles, eu acredito que em 30 dias possamos enviar o inquérito para o Judiciário. Se esse prazo for extrapolado, pediremos a prorrogação da prisão temporária para 60 dias”, afirmou.
Justiça
Emanuelle tinha 21 anos e tinha acabado de conseguir um emprego no departamento de Recursos Humanos de uma grande empresa de Anápolis. A mãe diz que a justiça está sendo feita na terra, mas quanto a justiça de Deus, isso cabe só a Ele definir. Edna conta que a filha era muito determinada e tinha um futuro brilhante. “Ela tinha uma determinação que virava o mundo de cabeça para baixo. A gente não tinha condição financeira. Nós somos pobres, mas mesmo assim, ela conseguiu a cirurgia, e ela nem trabalhava ainda quando conseguiu. Emanuelle me deu muita força para lutar por ela”, disse.
Edna não sabe como será a vida de agora em diante porque afirma que a luta ainda não acabou. “Estamos no meio da batalha ainda. Eles têm que receber uma condenação justa. Eles não fizeram algo com um parasita ou um pernilongo. Eles mataram um ser humano”, concluiu a mãe.