Corrupção em Brasília afeta imagem de políticos da base
Detentores de mandato que lidam diretamente com o povo sofrem desgaste e acabam tendo que responder por atos praticados por colegas da esfera nacional
MARCOS VIEIRA
A semana foi agitada em Brasília.
O presidente Michel Temer (PMDB) prometeu emendas e cargos, articulou para que partidos aliados promovessem mudanças na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal e, com a manobra, eliminou a chance de aprovação de relatório a favor de denúncia de corrupção contra ele.
O juiz Sérgio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão no caso do triplex, que segundo ele foi uma compensação ao petista por favorecimento em contratos públicos.
A reforma trabalhista foi aprovada, mesmo sindicatos e demais entidades que representam os trabalhadores apresentando várias críticas ao texto.
Por fim, o Congresso Nacional entrou em recesso depois de votar uma LDO que prevê, em 2018, um salário mínimo de R$ 979 – o atual é de R$ 937 (o “ganho”, portanto, será de R$ 42).
Antes disso, teve a mala de dinheiro, as gravações dos irmãos Friboi e as delações da Odebrecht. Bem antes, o saque à Petrobras, o impeachment de Dilma Rousseff liderado por um presidente da Câmara que acabou preso e a posse do vice que nomeou amigos denunciados por corrupção para compor seu ministério. Há anos, teve o mensalão. Mas também já teve compra de voto pela emenda da reeleição, já teve PC Farias e as licitações viciadas e milionárias da Ferrovia Norte-Sul, produzidas no mandato do primeiro civil que ocupou a presidência da República quando os generais-ditadores decidiram ir para casa.
O descrédito da política nacional contrasta com um cenário diferente nas bases. O declínio do modo correto de lidar com a coisa pública em Brasília coincide com uma fase de organização em Anápolis. A partir da cassação de Ernani de Paula, em novembro de 2003, que causou sério trauma na prefeitura e outras instituições públicas da cidade, os políticos seguintes optaram pela reconstrução da confiança junto à população. Foi assim com Pedro Sahium, o vice que assumiu a titularidade e acabou reeleito, ficando na administração até 2008.
Antônio Gomide (PT), eleito para o quadriênio 2009-2012, e reeleito no mandato seguinte, também seguiu a linha do diálogo com todas as instituições e quebrou o paradigma de um prefeito de Anápolis opositor ao governador quando ambos são de partidos frontalmente opostos. O petista manteve parcerias administrativas com o tucano Marconi Perillo, com reuniões e participações em solenidades. O vice que assumiu a prefeitura, João Gomes, apesar de estar no PT à época, era bem mais próximo da base governista estadual – tanto é que hoje acabou secretário estadual.
Mas enquanto no município foi trabalhada a construção de uma agenda positiva, a fama vinda de Brasília, emanada dos diversos escândalos de corrupção, acabou desgastando a política por completo. Prova disso foi a quantidade de eleitores que deixou de comparecer às urnas no pleito de 2016. No 2º turno, foram 23,38% de abstenções. Além disso, 7.286 votaram em branco e outros 19.147 anularam seus votos. De 260.567 aptos, acabaram validados somente 173.205 votos.
Perda
Esses números são um reflexo claro da perda de credibilidade que a política vem sofrendo nos últimos anos. Ao longo do primeiro semestre, diversos vereadores subiram à tribuna para falar sobre o assunto. Lélio Alvarenga (PSC), por exemplo, reclamou por seguidas vezes da reforma da Previdência Social, lembrando que as mudanças não refletiam em nenhum momento o desejo da população, que nem tinha sido ouvida pelo governo antes da elaboração das cláusulas que alteram definitivamente suas vidas.
O alerta de Lélio foi repetido por outros vereadores e sobre diferentes assuntos. Uma moção de Mauro Severiano (PSDB) “aplaudiu” atitude de uma figura nacional. No caso, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelo pedido de impedimento do ministro Gilmar Mendes, do STF, de julgar ação contra Eike Batista, pois a mulher do magistrado trabalha no escritório de advocacia que defende o empresário.
Maurão fala com frequência sobre o que ele classifica como a “banda podre” da política e lembra que uma reforma no sistema seria o caminho para que a classe voltasse a ter credibilidade junto à população. No seu sétimo mandato, ele conhece bem a função do vereador como representante político mais próximo da sociedade, portanto o mais visado e o que mais sofre os reflexos dos erros praticados em Brasília, mostrados no noticiário nacional e “cobrados” de quem está na base.
“Sentimos na pele [o descrédito] na hora de pedir o voto, em 2016”, afirma o vereador tucano, que é pré-candidato a deputado estadual em 2018 e reconhece que a tendência é que essa imagem pública dos políticos sofra mais avarias. “Vai piorar. Se fosse para eu iniciar minha vida pública hoje, não faria, não seria candidato”, revela Mauro Severiano. Funcionário público federal aposentado, o vereador surgiu na política a partir do incentivo de um grupo de médicos da cidade, entre eles o cardiologista Maurity Escobar, já falecido, um exímio articulador de bastidores e que exerceu sua profissão com humanismo e proximidade dos mais carentes.
Mauro entrou no serviço público há 42 anos, esteve no Exército, foi alocado para diferentes órgãos da administração federal e, por fim, acabou sendo reconhecido como motorista de ambulância no extinto INPS, que lhe dá o sobrenome político, “Maurão do INPS”. Com mais de 20 anos de Câmara Municipal, acabou evidenciando sua principal característica: as declarações sem papas na língua. Diante de uma crise interminável na segurança pública de Anápolis, rasgou críticas ao vice-governador José Eliton, que tinha sido secretário na área, e é potencial candidato ao governo do seu partido, o PSDB.
Sobre possíveis atos de corrupção de tucanos sediados em Brasília, nas altas esferas do poder, ele defende punição igual a qualquer outro. “É a mesma malandragem. Tudo igual. Quem errou, tem que pagar”, frisa Maurão.
Descrédito
A vereadora Professora Geli Sanches (PT), ex-presidente do seu partido em Anápolis, atribui esse descrédito da classe política ao fato de os poderosos de Brasília se negarem a ouvir e entender a realidade da população, daqueles que vivem nas cidades e sofrem as agruras do dia a dia. “Os investimentos não chegam na ponta. São cegos e surdos que concentram a maior parte das verbas públicas”, comenta.
Geli acredita que é possível resgatar o respeito, não mais pelo discurso, mas por ações efetivas, como uma reforma política que deixe a disputa mais igualitária e com eleitos que se aproximem da sociedade, entenda suas demandas e trabalhe para que elas sejam atendidas. Parece ser lógico o que diz a vereadora, mas infelizmente isso nem chega perto de acontecer. Obras federais em Anápolis demoraram anos para serem concluídas – no caso da Ferrovia Norte-Sul, foram décadas, milhões de reais consumidos, denúncias de desvio e pouca efetividade para melhorar a economia local (pelo menos até agora).
Professora Geli é clara ao defender apurações e punições para qualquer político corrupto, inclusive os do seu partido. Segundo ela, os eleitores acabam não falando contra a sigla A, B ou C, mas contra detentores de mandato que são corruptos. A prática de não ouvir a sociedade antes de tomar uma decisão que afeta a todos também é criticada pela vereadora. Ela cita como exemplo a reforma do ensino médio, que foi feita por medida provisória do presidente, sem escutar professores, trabalhadores da educação e a população.
“A gente vive um momento de descrédito dos políticos”, diz presidente da Câmara
O presidente da Câmara Municipal de Anápolis, Amilton Filho (SD), também fala sobre o desgaste que a corrupção em Brasília causa aos políticos da base. “As pessoas têm o péssimo hábito de generalizar”, afirma.
Qual o reflexo dos atos dos políticos em Brasília para a classe mais próxima da sociedade, que é o vereador?
Infelizmente a gente vive um momento de descrédito dos políticos. As pessoas demonizam os políticos, acham que é tudo farinha do mesmo saco, que todos são corruptos e são pessoas que visam interesses escusos e não o bem comum da sociedade. Enquanto vereador aqui em Anápolis a gente busca outro cenário. Sou um jovem ainda e cerro fileiras com as pessoas. Eu sento no meu sofá para assistir o Jornal Nacional e fico também injuriado com a situação. O sentimento de revolta das pessoas é o mesmo que o meu. Na verdade isso é ruim porque as pessoas tem o péssimo hábito de generalizar, de achar que todos são ruins, que todos não trabalham e que todos visam fazer rolo. Estou vereador, estou na presidência da Câmara e o sentimento é que estou na política para fazer o melhor, agir de forma proba, correta e que trará frutos positivos para a sociedade. Tenho esse sentimento de frustração e sentimento de tristeza pelas pessoas não saberem diferenciar, separar o joio do trigo.
O político que está na cidade tem um papel importante na eleição de 2018, ajudando nesse processo de depuração da classe?
Acho que está claro, e esteve claro em 2016, e certamente em 2018 será pior ainda: há um sentimento da população de insatisfação, de renovação, de mudança do status de hoje, visando construir uma nova política. O sistema é muito engessado, difícil para as pessoas proporcionarem uma renovação, mas há o direcionamento nesse sentido. A gente que está na cidade, que está fora desse mundo de Brasília, tem um papel importante de conscientizar a população, de votar em políticos que expressam o que pensa a coletividade. Hoje mudou o paradigma. Essa operação Lava Jato deixa marcas indeléveis sobre como se lida com a coisa pública. Hoje temos um poder enorme que é exercido pelas redes sociais no sentido de massificar a atuação desse ou daquele político. Aquela pessoa que teve um comportamento que o eleitor não esperava, certamente será cobrada duramente.
O senhor defende penas duras, inclusive para políticos do seu partido que eventualmente estejam envolvidos com algum ato de corrupção?
Certamente. Eu acho que quem estiver errado tem que ser punido e tem que ser duramente punido. Não interessa de que partido que é, que ideologia que é. Os fins não podem justificar os meios. Não pode ter aquele político que “rouba, mas faz”. Isso não existe. Isso é uma questão totalmente dissociada da sociedade.