“Deputados são uma casta no Brasil, com vários privilégios”, diz historiador
Historiador diz que modelo de escolha altamente viciado impede a eleição de políticos honestos com propostas positivas para o povo
MARCOS VIEIRA
O historiador Juscelino Polonial, autor de livros sobre política e professor universitário, fala nesta entrevista ao JE sobre as expectativas para o processo eleitoral de 2018 a partir de acontecimentos atuais. Segundo ele, o cenário está aberto em todos os vieses. “A gente trabalha com o seguinte conceito na história: se aconteceu uma vez, pode acontecer de novo”, explica Polonial.
A operação Lava Jato terá influência na escolha do eleitor em 2018?
Vai sim, isso com certeza. Para o bem ou para o mal, ela terá efeito. Eu acho que ela pode ir para um dos dois caminhos. Eles podem estar ajudando o Lula, ao invés de prejudicar.
Em que sentido?
Se você faz uma operação dessas, que claramente tem viés político, o tiro sai pela culatra. Isso é muito relativo. Eu penso que essa operação vai interferir na forma do eleitor pensar – não tenha dúvida quanto a isso – agora não está muito claro para que lado esse eleitor irá. Eu acho que depende muito como isso será usado. Temos um ano até a eleição. Vão aparecer mais fatos. Como as coisas estarão até lá?
O Brasil corre o risco de eleger uma extrema direita?
Corre esse risco. A gente fica naquela situação de quando se tem um vácuo de poder: qualquer coisa pode acontecer. E isso é perigoso. Se você não tiver uma leitura política da própria sociedade, mais democrática, é um risco que corremos. Não descarto [a extrema direita] porque isso já aconteceu em outras épocas e em outras sociedades. A gente trabalha com o seguinte conceito na história: se aconteceu uma vez, pode acontecer de novo.
E a gente terá em 2018 o fenômeno das pessoas desprezando os políticos em um processo claramente político, que é a campanha eleitoral?
Sim. E isso já vem acontecendo, não é inédito. A própria eleição de Anápolis é um reflexo disso. Mas tem um detalhe: pode-se caminhar para isso, mas dentro de uma linha democrática, que é o caso de Anápolis. Não pode ser um não-político dentro de uma linha autoritária. Aí é algo mais complexo. Mas na verdade há um sentimento de desilusão com o jogo político tradicional. Isso abre espaço para aventureiros. Agora, o tipo de aventureiro que é complicado. Vamos ter vários modelos por aí e é um risco que se corre sim.
Por que a população está inerte agora, mas antes vinha se manifestando?
Eu tenho uma posição sobre isso um pouco diferente. Na verdade a população é manipulada pelos grandes veículos de comunicação e cada vez mais eu sou convencido disso. Isso aconteceu na época do Collor e aconteceu no governo da Dilma. Ou então esse setor que fez o protesto é seletivo na seguinte situação: a gente quer tirar um grupo de poder e o outro grupo que está aí pode fazer o que quiser que não nos interessa. Aquela passeata então tinha um componente meramente ideológico, não era combate à corrupção. Basicamente aquele eleitor é o leitor de revista Veja, que é alienado. É um grupo que é direcionado. Se aquele grupo que protestou a partir de 2013 até 2016, e levou à queda da Dilma, se realmente é um grupo que fazia uma campanha contra a corrupção, ele deveria estar na rua agora. Então não é, portanto, um grupo consciente, mas sim seletivo, que tem um viés político e estava direcionado pela mídia. E a mídia agora não tem interesse em fazer esse movimento, portanto recuou. Até porque esses movimentos que puxaram as manifestações não são isentos partidariamente. O Vem pra Rua, o MBL, todo mundo sabe, que tem partido político atrás deles. Essa população não tem essa consciência toda.
Isso faz com que políticos que estão há muito tempo no poder sigam conseguindo se reeleger?
Na verdade voltamos para a primeira pergunta, sobre a Lava Jato e a reforma política. É muito difícil ter novos personagens com a regra antiga. A gente não muda as regras do jogo e quer que ele seja diferente. Temos um modelo de escolha de representante que é altamente viciado, e aí a gente fica torcendo para eleger políticos honestos. Isso é difícil. O nosso modelo de eleição de político é corrompido e fica difícil imaginar que nele vamos eleger políticos que não estão envolvidos com a corrupção. Então qual é minha análise: se levarmos em conta que o que ganha a eleição é a mídia, que tem certa direção, há uma questão ideológica e uma questão financeira, posso te afirmar categoricamente que a maior parte desse pessoal que está aí vai ganhar a eleição de novo. Isso é um vício que se perpetua na nossa história que não conseguimos mudar. É um modelo de eleição equivocado. É preciso uma reforma política séria, não só uma maquiagem. Alguns partidos estão propondo a lista fechada, que é uma forma de alguns se perpetuarem no poder. Uma reforma precisa mudar a regra do jogo. Dessa forma dá para apostar em novos políticos eleitos. Nessa regra que está aí eu não acredito em mudança.
Dificilmente eles vão querer mudar uma regra que os beneficia.
É. Eles vão querer perder? Eu fiz um levantamento que acho que é algo do conhecimento da população, que mostra que o nosso deputado, quando eleito, é quase um marajá, pois ele ganha tanto dinheiro. É quase como se você criasse uma casta no Brasil, de tantos privilégios que eles têm. Eles vão querer perder isso por qual motivo? E além de ser um privilégio econômico, é um privilégio de poder, de interferir mesmo. Os deputados e senadores, e também no plano estadual, são uma casta. É difícil imaginar que eles vão romper com isso.
O Lula não sendo candidato, quem herdará esses votos?
Na esquerda, o Ciro Gomes. As pesquisas mostram isso. Quando o Lula está na pesquisa, o Ciro fica com 5% a 6%. Quando você tira o Lula, ele vai para 14%, 15%. Não tenha dúvida que o herdeiro dos votos do Lula é o Ciro Gomes. Pelo menos isso a pesquisa tem mostrado, obviamente porque eu acho que a esquerda não teria um nome para apresentar, pelo fato do desgaste que o PT enfrenta. Hoje temos a imagem do Lula, que também está desgastada, mas ainda é uma liderança que tem a força e as pesquisas mostram isso. Eu vi uma pesquisa que se tira o Lula o Ciro ocupa esse espaço da esquerda.
Em Anápolis caminhamos para ter um grande número de candidatos a deputado estadual. Isso prejudicará a cidade em termos de eleição de representantes?
Eu acho que é isso, mas é algo que já disse em eleições passadas: os nossos líderes políticos não têm uma representação tão forte. Eles têm uma votação na cidade, mas não tem espaço no restante do Estado. É muito difícil um candidato se eleger só com a sua cidade, mesmo sendo Anápolis, com mais de 200 mil votos. Ele tem que ter um trabalho fora – e eu acho que é esse o pecado das nossas lideranças. Talvez o Rubens [Otoni] consegue fazer isso, pois tem muito voto de fora. Se pegar nossos vereadores, que são lideranças políticas, qual deles tem um trabalho forte fora da cidade de Anápolis? E todos querem ser candidato a deputado estadual. Acompanho os debates na imprensa e ouço dizer que vão limitar o número de candidatos. Isso não existe no regime democrático. A gente vai ter 35 candidatos, nessa faixa. Mas eles não são representativos, pois quando saem de Anápolis tem 1 mil, 2 mil votos. Aí não dá para se eleger.
Precisa também de um projeto de mandato mais concreto para convencer o eleitor?
Aí vamos entrar, até para ser coerente, na questão que falei antes: o cara precisa ter uma estrutura fora e isso passa pelo viés econômico que ele não tem. Essa estrutura de campanha que o camarada tem que ter: talvez ele tenha um pouco aqui em Anápolis porque é a base dele, mas ele não tem fora, porque demanda dinheiro. Por isso que falei, caí naquele modelo, se ele não tiver dinheiro ele não ganha. O que se gasta para vereador, não se elege para deputado nunca. Quem vai bancar a campanha? E essa estrutura demanda dinheiro. Aí que está o problema. No passado tínhamos políticos com estrutura econômica e com liderança em outras cidades. Hoje há essa dificuldade. Portanto, será um quadro repetitivo: vamos pegar esse número grande de candidatos e acabar tendo um ou dois com chance de ganhar.