“Macacos se transformaram em vilões”, diz veterinária sobre febre amarela

Elisângela Albuquerque Sobreira 07,08,17 (3)

Especialista diz que primatas se transformaram em vilões após as notícias de aumento do número de mortes humanas causadas por febre amarela no país

ANA CLARA ITAGIBA

Dos 29 exames toxicológicos de macacos que foram encontrados mortos em Goiás nos últimos dois meses, 17 confirmaram que não houve contaminação pelo vírus da febre amarela. A informação foi repassada pela coordenadora de Fauna da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Elisângela Sobreira durante uma entrevista para a reportagem do JE na última sexta-feira (26.jan). A especialista afirma que a população não precisa entrar em pânico em Goiás, mas quem for viajar para lugares de risco, deve se vacinar com 10 dias de antecedência. Confira a entrevista na íntegra:

Vinte e nove macacos foram encontrados mortos em Goiás nesta semana. Diante do surto de febre amarela em outros estados, devemos nos preocupar?
De acordo com os dados da Secretaria Estadual de Saúde, os exames dos 17 primatas não humanos necropsiados, que foram encontrados neste mês de janeiro, deram negativos para Febre Amarela. Portanto, não há motivo para se preocupar. Mas se a pessoa tiver adentrado em áreas de matas e apresentar manifestações da doença, que envolvem febre alta, calafrios, cansaço, dor de cabeça, dor muscular, náuseas e vômitos por cerca de três dias, deverão procurar um médico imediatamente. A forma mais grave da doença é rara e costuma aparecer após um breve período de bem-estar – até dois dias –, quando podem ocorrer insuficiências hepáticas e renais, icterícia (olhos e pele amarelados), manifestações hemorrágicas e cansaço intenso.

O exame toxicológico completo ainda não foi divulgado. Há a possibilidade de essas mortes serem motivadas por outras doenças ou fatores ambientais?
Os animais mortos não apresentavam sinais de agressão (maus-tratos) e morreram por causas naturais, pois várias espécies foram acometidas, como macaco-prego, guaribas e saguis. Isso mostra que a população está preocupada não apenas com a doença, mas também com os animais, para que não sofram maus-tratos, informando às Secretarias locais de morte dos bichos.

O que a população deve fazer para se prevenir, além de tomar a vacina?
Os resultados foram negativos para Febre Amarela, mas de qualquer forma sempre é bom seguir as recomendações do Ministério da Saúde. A única forma de evitar a febre amarela silvestre é a vacinação contra a doença. A vacina é gratuita e está disponível nos postos de saúde em qualquer época do ano. Ela deve ser aplicada 10 dias antes da viagem para as áreas de risco de transmissão da doença. Pode ser aplicada a partir dos nove meses. É contra-indicada a gestantes, imunodeprimidos e pessoas alérgicas à gema de ovo.
A vacinação é indicada para todas as pessoas que vivem em áreas de risco para a doença (região Norte, Centro Oeste, estado do Maranhão, parte do Piauí, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), onde há casos da doença em humanos ou circulação do vírus entre animais (macacos).
Outra recomendação bastante importante é a utilização de repelentes quando for adentrar em áreas de matas, uso de camisa de manga longa, chapéu e calça comprida. A Febre Amarela é transmitida pela picada dos mosquitos transmissores infectados. A transmissão de pessoa para pessoa e de macaco para pessoa não existe. O Aedes aegypti é o transmissor da FA nas cidades. Mas a febre amarela que temos hoje no Brasil é a transmissão silvestre, transmitidas pelos vetores silvestres chamados haemagogus e sabethes. Prevenir esse mosquito é impossível porque faz parte da natureza e são seres silvestres.

Não encontraram macacos mortos em Anápolis, mas em cidades próximas, como Goiânia. As pessoas devem entrar em alerta?
Nenhum primata foi encontrado morto no município de Anápolis, motivo pelo qual não não há necessidade de pânico. O que orientamos é que se a pessoa for visitar áreas com casos de a enfermidade vacinar 10 dias antes e utilizar repelentes.

Há uma campanha muito forte nas mídias sociais para tentar acabar com os maus tratos aos macacos, que tem sido motivado por conta do surto de febre amarela. Gostaria que você explicasse como é a transmissão, para que esse assunto fique bem esclarecido.
A campanha contra maus-tratos aos macacos foi iniciada no Rio de Janeiro depois da morte de 118 primatas apenas neste ano. Os animais são hospedeiros da febre amarela e apesar de não transmitirem a doença estão sendo atacados pela população. Estamos tendo resultados positivos, pois o trabalho de educação em saúde está sensibilizando a comunidade em nível nacional quanto aos maus-tratos e orientando quem é o verdadeiro vilão: os mosquitos. Apenas os mosquitos transmitem a doença. Os macacos são vítimas, assim como os humanos.
A febre amarela ocorre nas Américas do Sul e Central, além de em alguns países da África e é transmitida por mosquitos em áreas urbanas ou silvestres. Sua manifestação é idêntica em ambos os casos de transmissão, pois o vírus e a evolução clínica são os mesmos — a diferença está apenas nos transmissores. No ciclo silvestre, em áreas florestais, o vetor da febre amarela é principalmente o mosquito Haemagogus. Já no meio urbano, a transmissão se dá por meio do mosquito Aedes aegypti (o mesmo da dengue).

Como ocorre a infecção?
A infecção acontece quando uma pessoa que nunca tenha contraído a febre amarela ou tomado a vacina contra ela circula em áreas florestais e é picada por um mosquito infectado. Ao contrair a doença, a pessoa pode se tornar fonte de infecção para o Aedes aegypti no meio urbano. Além do homem, a infecção pelo vírus também pode acometer outros vertebrados. Os macacos podem desenvolver a febre amarela silvestre de forma inaparente, mas ter a quantidade de vírus suficiente para infectar mosquitos.
Os macacos se transformaram em vilões após as notícias de aumento do número de mortes humanas causadas por febre amarela no país. As pessoas mortas foram, provavelmente, infectadas por mosquitos que anteriormente picaram macacos doentes. Mas os primatas na verdade são heróis, pois são vítimas como os humanos e a detecção de casos primeiro entre eles ajuda a evitar epidemias, casos urbanos e mais mortes de pessoas.

Os macacos então cumprem um papel importante?
Os macacos fazem o que chamamos de papel de sentinela. Quando você começa a detectar a presença de primatas mortos, é um indicador de que possa estar ocorrendo casos de febre amarela naquela região. Isso possibilita iniciar campanhas preventivas e de vacinação antes que a doença se espalhe e cause muitas mortes humanas. Os transmissores da febre amarela são os mosquitos e há a possibilidade de outros animais serem hospedeiros além de macacos, como marsupiais e preguiças. Há casos registrados em que a área de contaminação não tinha primata e anticorpos do vírus da febre foram encontrados em marsupiais. Há também registros de mosquitos que já nascem com o vírus, podendo transmitir a doença para humanos mesmo sem ter picado animais doentes. Isso ocorre porque o vírus pode invadir células dos ovos dos mosquitos, dando origem a insetos já infectados e que podem fazer a transmissão vertical.
A desinformação de algumas pessoas é bastante preocupante para nós que trabalhamos com controle de zoonoses e conservação dos primatas. Além de matar animais que não são transmissores e de erradicar matas, esses procedimentos podem facilitar a volta da febre em áreas urbanas, que está erradicada no Brasil desde a década de 40. A forma correta de evitar a doença é a vacinação para quem mora ou vai para matas em áreas endêmicas e o combate aos mosquitos Haemagogus, Sabethes e Aedes aegypti, transmissores da doença.

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