Peguei a gravata | Iron Junqueira

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O Zé Lopes era moço bravo. Amigo bom, leal, topava entrar nas brigas. Elegante, sempre o melhor terno e a melhor gravata, assim como quase todos, da turma. Menos eu. Não usava gravata, usava um paletó velho ou uma jaqueta. Aos sábados, os colegas herdaram os costumes dos paulistas, vestiam sob a influência dos europeus: paletó, calça vincada, gravata e sapato engraxado (não, eu disse ENGRAXADO).

Tinha final de semana que algum companheiro aparecia ao ponto de encontro metido a engraçadinho (não, eu disse engraçadinho mesmo!) os mais moleques; os comportados eram o Carlos Miranda de Melo, o Luiz Fernando da Silva Filho, o Ignácio a quem chamávamos de Ignotos, o Célio Guimarães, o Osires Tormim da Veiga. Os levados a breca… Esqueci-me de me incluir na primeira turma. Tem importância não. Vão dizer mesmo que eu estaria com mentiras. Já os mais encrenqueiros eram o Wagner Estelita de Melo, o Ésio Grandão, o Edson Chagas Leite, o Idebrando Veloso, o Walter Veloso, o Altamiro Carneiro – e eu! Vou me botar no lugar do Zé Lopes porque ele era só nervoso; não mexendo com ele, jamais mataria alguém; natural de Pirenópolis; em comparação com a turma, era meio irado.

Eu contava sobre o fim de semana. É. Um dos nossos companheiros aparecia com gracinha que chamava encrenca pra cima da galera. Era um grupo muito harmônico, educado, entre eles, estudantes, tipógrafos, porém, a maioria trocadora de gibis nas portas dos cinemas. Mas o Wagner Estelita, sempre elegante, tipo artista de cinema, alto, topete Rock Hudson, chegou perto do Zé Lopes e fez como havia feito com os demais colegas à proporção que chegavam: pegou na gravata do pirenopolino (linda com detalhes azul e verde, nunca antes usada) levou-a ao nariz e, literalmente, assuou o narigão nela, mas com tal vontade, que a gravata ficou com uma dobra para frente, elevada até ao meio, de modo que não descia nem subia. Gente: mas o Zé, com aquela cara de nojo, nas pontas dos dedos retirou a gravata erguendo-a pelo nó, passando-a pela cabeça e a jogou fora, na rua, de onde alguém catou.

Em seguida, vermelho feito um branquelo nervoso, botou a mão por dentro do paletó, de onde retirou um revólver tão grande que parecia ser desenho animado, talvez um Taurus 38 ou 44 ou 59, sei lá, e foi pra cima do Wagner que havia se escondido (todos conhecíamos o temperamento explosivo do Zé) e sabíamos que aquele encontro não podia acontecer nunca. Mas sabe o que é NUNCA? Pois é desses! Todos nos aproximamos dele. Seus amigos de sempre o cercaram e lhe deram palavras de “consolo”? Ele só aceitava termos de ira, ódio, vingança, hora de matar! Torcer o pescoço. Então, entendendo que o Zé queria só xingamentos, o consolamos com as prediletas dele:

– Pode deixar Zé! Quando o encontrarmos “Trá-lo-emos” diante de você. E o moço de Pirenópolis:

– Nada de “tralalá” nem de trololó não! Quero que vocês o tragam até aqui! E apontou sua frente.

– Nem vou trazê-lo aqui Zé. Vou matá-lo primeiro. Aí eu o trago! Disse o Altamiro.

– Nãããããoooo senhor! Eu vou acabar com ele primeiro! Retrucava o Zé. – Não, eu! Dizia o Altamiro. – Não, eu! – Não! Tem que ser eu, fui o ofendido. E a turma foi levando o Zé Lopes nesse “mata, num mata!” Até sumirem na esquina. Enquanto isto, onde estava o Wagner Estelita de Melo?

Ele nos contou que estava na casa da avó Dona Viturina de Melo jurando a ela que nunca mais iria aprontar brincadeiras perigosas, enquanto lavava a gravata do Zé que ele sujara.

– Você, ainda por cima, levou a gravata dele?

– Por direito! Explicou. O catarro é meu. A gravata ficou na rua, ninguém a quis. Nojo de mim. Quase fui morto por um trinta e oitão. Peguei a gravata. É isso.

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