Morre a vereadora Vilma Rodrigues, uma defensora dos mais carentes em Anápolis
Bem antes de se tornar vereadora, Vilma Rodrigues havia construído uma trajetória de ajuda ao próximo, sobretudo aos idosos
MARCOS VIEIRA
A morte de Vilma Rodrigues (foto) na última quarta-feira (14.mar), aos 57 anos de idade, encerra de forma prematura uma trajetória pública no qual os anapolinos depositavam imensa esperança. A mulher que depois de ter criado seus filhos decidiu fazer carreira nos meios de comunicação e se candidatou a vereadora porque entendeu que só assim ampliaria a vocação aprendida com o pai de dar assistência aos mais carentes, foi uma das poucas que manteve intocado seus ideais após a vitória nas urnas, em 2016.
Vilma Rodrigues fez parte de um grupo outsider de candidatos naquele pleito municipal. Ao lado do filho, o delegado Manoel Vanderic, ela entendeu que precisava buscar um cargo eletivo para dar mais potência à luta pelos idosos carentes e outros grupos desprivilegiados. Filiada ao PSC, teve uma votação histórica: 3.557 votos. Chegou à Câmara Municipal e em pouco mais de um ano, deixou claro que não tinha vocação alguma para a política comezinha. Nunca falou em projetar seu nome em outras disputas eleitorais, não tratava de possíveis coligações partidárias futuras ou sobre bancada de oposição ou situação. Queria mesmo era cuidar do próximo.
No início – e esse momento ficará marcado na história do Legislativo anapolino – Vilma não entendia sequer porque não podia falar na tribuna além dos 10 minutos regimentais, sobretudo porque acreditava que tempo algum era suficiente para denunciar as mazelas sofridas pelos seres humanos nas periferias da cidade. Ao pedir socorro aos pares para pacientes acamados em suas próprias casas, consumidos por escaras, ela entregou um dossiê com fotos para cada vereador. Depois, se lamentou pelo fato de muitos nem terem olhado os documentos.
O instinto maternal era evidente em Vilma Rodrigues. Por diversas vezes ela direcionava discursos aos próprios colegas de Câmara, tecendo críticas por não defenderem as bandeiras que ela julgava importantes para a população. No mundo político, onde as sensibilidades são frágeis, houve muita gente que não entendeu que se tratava mais de um “pito de mãe”, como se diz na roça quando se leva uma bronca necessária, do que posicionamentos que passam por oposição ou situação.
Vilma Rodrigues lutou e conseguiu aprovar a lei que cria a creche para idosos em Anápolis – foi a primeira propositura protocolada pela atual legislatura. A proposta é que o Executivo crie um espaço para atender pessoas, a partir dos 60 anos, no horário compreendido entre 7h e 18h. A ideia é justamente assistir famílias que precisam trabalhar, mas não tem com quem deixar parentes idosos que precisam de acompanhamento continuado.
A creche para idosos, conforme prevê a ideia concebida por Vilma Rodrigues, é voltada para famílias de baixa renda. A lei determina que ela deve contar com uma equipe multidisciplinar formada por um médico, um nutricionista, um psicólogo, um fisioterapeuta, um assistente social e profissionais da área da saúde e das ciências humanas.
Vilma também lutou pelo direito de pessoas carentes e pertencentes a grupos especiais a terem transporte coletivo gratuito na cidade. Fez projeto de lei para que os idosos sejam priorizados na rede pública de saúde quando são acometidos por câncer. Mais recentemente, ao lado da vereadora Professora Geli Sanches (PT), trabalhou na criação de um programa de proteção à saúde bucal para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Nos últimos meses do ano passado, a vereadora reduziu os discursos na tribuna, mas nos bastidores manteve firme o trabalho de assistência social. Seu gabinete era um dos mais movimentados da Câmara Municipal e frequentemente Vilma contava que tinha passado grande parte do dia anterior dando assistência em alguma residência, cuidando principalmente de idosos. Seu salário como vereadora era usado, em sua grande parte, para ajudar o próximo.
O carisma de Vilma também pôde ser acompanhado pelo rádio até poucos dias antes de ela ficar doente. Ao lado de Eurípedes Cândido, ela conferia brilho ao Jornal da Tarde, da Rádio Manchester AM, com sua gargalhada inconfundível e suas receitas ditas de cabeça, além é claro dos diálogos impagáveis com o colega de bancada e os repórteres da emissora.
Vilma tinha sido internada para a retirada de um tumor benigno na base do cérebro (craniofaringioma). Segundo os médicos, ela havia sido operada com sucesso no dia 27 de janeiro e estava se recuperando bem na UTI do Hospital Araújo Jorge quando sofreu um AVC hemorrágico e, infelizmente, teve seu quadro de saúde agravado.
Desde então, ela seguiu em coma induzido. A situação se agravou com a contaminação de Vilma por uma bactéria resistente. Mais recentemente, o delegado Manoel Vanderic iniciou uma campanha de doação de plaquetas para a mãe. Muita gente saiu de Anápolis e foi até o Hemocentro, em Goiânia, atendendo ao chamado do filho de Vilma Rodrigues
Na manhã de quarta-feira (14.mar), a sessão da Câmara Municipal nem chegou a acontecer depois de o vereador Mauro Severiano ter dito que Vilma havia morrido em Goiânia. A comoção tomou conta de todos, mas naquele momento se tratava de uma notícia falsa. A triste notícia acabou sendo confirmada mesmo à tarde.
A quantidade de pessoas que passou pelo velório de Vilma no salão da Matriz de Santana exemplificou o quanto ela era querida em Anápolis. Nas redes sociais, praticamente todo mundo que era do meio político ou ligado aos movimentos sociais tinha uma foto ao lado da vereadora. Em grande parte das imagens Vilma aparece gargalhando. É assim que ela será lembrada.
Infância em Interlândia
LEONARDO GONÇALVES
Especial para o JE
A vereadora Vilma Rodrigues nasceu em 31 de março de 1960, no distrito de Interlândia, município de Anápolis. Teve uma infância rural, na “Nossa Fazenda”, da atriz americana Mary Martin. Mãe do delegado Manoel Vanderic e Mona Correa e avó do pequeno Davi. Graduou-se em Pedagogia na Unievangélica. Foi professora do ensino fundamental. Ingressou na imprensa na Rádio São Francisco de Anápolis. A última passagem foi como apresentadora na Rádio Manchester, onde divulgava notícias, curiosidades e receitas, reconhecida pela alegria e pela marcante risada.
Apreciadora da típica comida da roça, lançou seu primeiro livro de receitas no ano de 2016. Atuante na assistência social, atividade herdada do pai, que acolhia idosos e pessoas com deficiência.
Foi eleita vereadora em 2016, pelo PSC, em sua primeira candidatura, com 3577 votos, segunda mais bem votada da eleição daquele ano e a mulher que obteve mais votos na história de Anápolis. Durante o tempo em que exerceu a legislatura, elaborou cinco projetos de lei, sendo aprovados por unanimidade pelos colegas vereadores. Entre os projetos, destaca-se, o que cria a Creche para Idosos (através deste projeto, conseguiu uma verba pública de R$ 500 mil para construção da Creche em Anápolis) e o que prevê atendimento e tratamento para pessoas portadoras de câncer com no máximo 60 dias a partir do instante em que a doença é diagnosticada. Na Câmara Municipal sempre lutou pelos direitos dos idosos, deficientes e meio ambiente.
A política pública sempre foi bem definida para Vilma Rodrigues, a bandeira dos idosos era o carro-chefe da legislatura dela. Essa história começa quando ainda era criança, o pai morava na roça e cuidava de idosos e pessoas com necessidades especiais. Ela herdou esse dom de cuidar do próximo, dedicou a vida para tentar promover o bem-estar e uma melhor qualidade de vida, por isso, dedicava o tempo para atender aos anseios e desejos de idosos de três abrigos em Anápolis. São eles: Asilo São Vicente de Paulo, Jesus Cristo é o Senhor e Monte Sinai. Além disso, ajuda o convento das Irmãs Africanas de Interlândia que atua no abrigo de crianças e adolescentes.
Vilma Rodrigues lutou para que o direito das pessoas com necessidades especiais fosse respeitado. Até que no ano passado, conseguiu através de força política, que a delegacia de proteção ao deficiente saísse do papel e passasse a ser reconhecida através de lei.
A vereadora pontuou em vários momentos a importância de preservar o meio ambiente, ver o Central Parque Onofre Quinan em atividade era um sonho, buscou recursos junto ao poder público e desenvolveu atividades com a iniciativa privada e associações no local.
MEMÓRIA
“Se for necessário, vou começar a mendigar direitos das pessoas”
FERNANDA MORAIS
No final do ano passado, Vilma Rodrigues conversou com o JE sobre seu primeiro ano de mandato. Suas respostas deixam bem clara a sua convicção pública de cuidar do próximo. Releia os principais pontos daquela conversa.
Seu primeiro ano no Legislativo está chegando ao fim. A senhora está satisfeita com o trabalho que realizou até agora? Com projetos aprovados na Casa?
Nem tanto. Eu poderia estar mais feliz, e as pessoas que necessitam da ajuda que estamos tentando buscar aqui na Câmara também poderiam estar mais felizes se tudo tivesse acontecido como planejamos. Mas os interesses de terceiros conseguem ser maior do que o das pessoas que realmente precisam.
E em relação aos projetos? O que a senhora conseguiu aprovar de relevância na Casa?
O projeto que disponibiliza a creche para os idosos. Mas de dez passos que precisamos dar para que a ideia realmente saia do papel, até agora conseguimos dar três. Creio que foram três passos importantes, talvez os mais importantes dos dez passos necessários. Mas a gente vai continuar tentando, caminhando, lutando, brigando, pedindo até que o projeto se concretize. É um projeto de vida para mim. Consegui aprovar também o projeto que prioriza o atendimento para idosos acima de 80 anos em Anápolis. Isso foi muito satisfatório.
O que o prefeito tem de posicionamento a respeito da creche para os idoso?
Eu não vou cobrar do prefeito o que ele não pode fazer. A gente tem que cobrar o que pode ser feito por ele. Não sei o que ele pode, ou não pode, o que deixa de poder. Só sei que sou pouco atendida, muito pouco, muito pouco. Tem dia que eu chego aqui nessa Casa, super, super, super amargurada porque não sou eu que preciso de uma creche, não sou eu que preciso de um transporte. São as pessoas que acreditaram no meu desejo de tentar ajudá-las com meu mandato, são as pessoas que não votaram só em mim, votaram nele (prefeito) também. Então a responsabilidade não é só minha, é dele (prefeito) também. Eu não gosto, nunca gostei, para que as pessoas saibam, eu nunca gostei de mendigar, principalmente mendigar direitos que são das pessoas. Mas aqui estou aprendendo que só se consegue mendigando. E nesse caso, se for necessário, eu vou começar a mendigar.
Assistência social é sua maior bandeira na Câmara. A senhora acha que falta atenção do poder público para causa?
Nossa, falta tudo do poder público, falta tudo. Não é só atenção que falta. As pessoas hoje que necessitam do poder público estão sofrendo demais. É um sofrimento terrível, é uma miséria terrível.
Qual posicionamento da senhora na Câmara? Faz parte da bancada de situação, é uma vereadora oposicionista ou com mandato independente?
Eu sou independente. Não sou situação, de maneira alguma. Eu não sou oposição também, de maneira alguma. Eu sou o que é necessário, sou o que as pessoas que em mim confiaram, precisam. Eu sou isso, meu mandato é esse.
Qual a participação do seu filho, o delegado Manoel Vanderic, no seu mandato?
Importantíssima. Sem ele eu não consigo nem andar. É impossível. Mas ele não participa só do meu mandato, ele participa de tudo da minha vida. Está do meu lado para tudo, e eu ao também ao lado dele para tudo. Graças a Deus.
A senhora é muito conhecida pelo seu jeito irreverente. Mas também fala sério quando é preciso. Um comportamento pode atrapalhar o outro?
Eu sou assim. Gosto de rir, de conversar, de ajudar de trabalhar pelo próximo. Mas sei que tem hora para falar sério, mostrar situações, defender causas. É o meu jeito.
Quais são os pedidos mais frequentes que a senhora recebe no gabinete?
É incrível dizer isso. Já até falei sobre o assunto na tribuna do plenário. Por incrível que pareça, a gente pensa que as pessoas pedem só um gás, ou um remédio, ou ajuda para uma consulta médica, mas não, não é isso o mais frequente que chega até mim. Eu posso dizer que a maioria das pessoas que vai ao meu gabinete chega para pedir algo que é de direito de todos. Um trabalho. Todo ser humano tinha que ter esse direito garantido na Constituição. É isso que as pessoas querem. As pessoas querem dignidade, e isso está difícil. Infelizmente.
A senhora é pré-candidata pelo PSC a deputada estadual? Como o partido está se organizando para as eleições do ano que vem?
Não sou candidata. Fui eleita para ser vereadora e vou ser vereadora até a última hora que eu tiver de mandato. O partido tem feito reuniões, tem os nomes interessados para entrar na disputa, está buscando novos filiados, mas eu, eu não tenho interesse.
O que a senhora teria a dizer para as pessoas em relação ao seu trabalho nesse primeiro ano de mandato?
Se não fossem interferências externas, eu poderia dizer hoje que estou feliz, que estou realizada, mas não estou. Não estou porque faltam muitas coisas para serem feitas. Eu tenho medo que nesses outros três anos de mandato ainda tenha gente sem o sentimento de compaixão para o seu próximo e continue atrapalhando a vida dessas pessoas.