Pedaços de cada vida | Iron Junqueira

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Há muito tempo, sofrida mulher foi ao meu escritório e me pediu para ajuda-la, explicando que precisava safar-se do juiz que pretendia tomar seu filho, de seis anos. Ela residia num povoado perto de Anápolis, onde uma Assistente Social esteve e fotografou sua criança, e, com ela, desapareceu. “–A moça disse que iria levar o menino para o Juiz de Menores”, explicou Dona Geralda, acrescentando: “–Para que a foto do meu filho?” “––Para providenciar o Passaporte; ele irá para o exterior”. A pobre mulher entrou em desespero e foi para a cidade. Ali a genitora buscou o Juizado de Menores, não teve atenção; correu às autoridades, nenhuma importância deram às suas palavras nem ao seu choro. Mas Geralda encontrou casualmente outras mães aflitas, pela mesma razão.

A mulher corria de um lado para outro em busca de notícias do filho. Ia do Juizado ao Fórum da cidade e também às creches e casas de atendimento a crianças pobres e órfãs. Diante de tais acontecimentos, fomos cada vez entendendo menos tamanha confusão. O Brasil acabara de sair de um regime militar e entregava a sede do governo ao presidente eleito, Tancredo Neves, que, no entanto, não podia assumir; estava em coma e outro pronto para assumir o comando da nação.

Falaram do meu trabalho à dona Geralda que buscara meus préstimos. Fui com ela ao Fórum encontrar com o juiz e o promotor. Lá chegando, fomos recebidos por um oficial a quem solicitamos falar ao Juiz. –– Espere um pouco. Entrou repetindo meu nome que eu lhe passara. Em seguida voltou dando ordem para entrarmos. Pouco depois éramos cinco na sala do magistrado; ele deu-nos a palavra: “– Sim doutor, estou acompanhando a senhora Geralda, na solução de um problema.

– Sim, de que se trata?

– Do filho dela, o Lauro, sumiu do seu povoado e foi trazido, segundo consta, para esta cidade, de onde será encaminhado para um casal no estrangeiro.

– Ah! Exclamou o meritíssimo. É o caso do Lauro.

– Esse mesmo Doutor!

– E o que você quer com ele? Indagou a autoridade.

– Ver se consigo com o senhor fazê-lo voltar à companhia da mãe. Foi retirado dela, contrariando tanto sua vontade, quanto à da criança, que foi vista a última vez com a Assistente Social que trabalha para o senhor.

– Sim, mas não posso entrega-la. Está sendo adotada por um casal estrangeiro e viverá muito bem.

– Por qual razão a retirada do mátrio poder?

– Ela é puta. Tem vida irregular.

– No Brasil, doutor, grande parte das mulheres pobres tem rodízio de maridos. E afora esse recurso, são trabalhadeiras, diaristas, lavam roupa , costuram, esforçam-se a valer. Em seguida, dirigi-me ao promotor: qual a sua palavra, senhor promotor? Ao que ele disse, claramente:

– Há uma Lei que diz que mães prostitutas têm comportamentos incompatíveis com a normalidade.

– Digamos, então, que, se os pais dos senhores – promotor e juiz — pais e mães, se prevaricavam antes do casamento, os senhores então não poderiam ser criados por eles? E estão aqui?

O promotor não gostou e falou ao juiz:

– Excelência, diante dessa ofensa, sinto-me sob suspeição; peço minha retirada do caso. Com licença. O auxiliar do magistrado (o faz tudo) exclamou:

– Quer que o prenda, Doutor?

— Não, prefiro que você se retire da sala.

— Sim, senhor! Bateu continência e se afastou. Resumindo, o doutor me falou:

— Espere um pouco. Saiu de sua sala por uma porta interna e, minutos depois, voltou com o Lauro, o filho de dona Geralda. Disse:

— Pode leva-lo. Agradeci ao magistrado e fui com o garoto ao encontro da mãe que se achava no hall do Fórum. Foi aquela festa entre mãe e filho. É isto. Me voy.

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