O uso dos nomes em vão | por Gaudêncio Torquato

Gaudêncio Torquato

“Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão”. (Êxodo, capítulo 20, versículo 7).

O estágio civilizatório de um povo é medido por grandes e pequenos atos, entre as quais avanços, descobertas, tecnologia, desenvolvimento econômico e social, este último compreendendo formas de pensar e de agir, atitudes e gestos. A cultura política, portanto, deriva da forma de pensar e agir daqueles que dela participam, representantes do povo, governantes e simpatizantes, entrando aqui os militantes.

Quando esses grupos assumem posições que descambam para o perigoso terreno da galhofa, é razoável intuir que a régua civilizatória do território em que habitam está meio torta. Algo parece fora do tom. Sinais extraídos dos climas emotivos que animam bandas partidárias apontam para resquícios de barbárie, passos erráticos, movimentos canhestros, coisas ridículas. Querem um exemplo?

A decisão de deputados e senadores do PT de solicitar aos presidentes das duas Casas congressuais a adição do nome Lula às suas respectivas designações parlamentares. Na contrapartida, adversários começam a solicitar que também a seus nomes seja agregado o sobrenome Moro, em referência ao prestigiado juiz Sérgio, de Curitiba. Uma ridicularia de primeira grandeza. Manobra oportunista, demagógica, sob o cobertor de um marketing mentiroso a ser intensificado nos próximos tempos, face à polarização aberta e ao tiroteio recíproco entre as alas do lulo-petismo e adversários encastelados em alguns partidos. Na ponta direita, a decisão destemperada dos petistas gera também a incorporação do sobrenome Bolsonaro aos nomes dos parlamentares alinhados ao presidenciável e deputado Jair.

Uma comédia. Ou, para outros, uma farsa.

É evidente que a incorporação de sobrenomes e apelidos aos nomes próprios de conjuntos parlamentares faz parte do jogo de pressões e contrapressões que permeará todo o processo eleitoral, que ora se inicia. Que significado os recém-batizados tentam impingir ao eleitor? A luta do Bem contra o Mal. Cada lado quer aparecer como o Bem. Todos vestem a pele do mocinho, deixando o traje de bandido para o outro. Repúdio a Darth Vader e aplausos para Luke Skywalter, de Star Wars. Robin Hood contra os ricos. Mas a questão é: quem pode no PT envergar o manto de Robin Hood quando se sabe que este partido se meteu na rapinagem geral? As bandas tentarão amplificar seus slogans até as eleições.

Como é sabido, a Operação Lava Jato, em curso, é um processo de corrupção sistêmica que se desenvolveu na era lulo-petista-dilmista, na sequência de outra operação chamada de mensalão. Partidos e grupos entraram nesse rolo. E hoje quem mais luta para aparecer como os limpos, os assépticos, os vestais, os donos da ética e da moral? Os petistas, com apoio de partidos que não se envergonham de ecoar o mito Lula. Foi o que se viu durante o comício de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, antes de sua decisão se entregar à Policia Federal. O Brasil viu um momento triste – a prisão de seu maior líder popular – se transformar em um espetáculo onde não faltaram emoção, bandeiras vermelhas e agressão. Lula é realmente um craque. O que deveria ser velório ganhou clima de festa. E com as bênçãos de religiosos.

O fato é que as “qualidades morais” dos protagonistas da esfera eleitoral serão exibidas, sob uma teia de simulações e dissimulações, versões sem eira nem beira, e, pior, com a apropriação de sobrenomes de outros. O eleitor menos esclarecido poderá ser engabelado. Seu voto seria também em personagens que não o representante. Arrematada mistificação.

Ninguém será inocente usando o nome de Deus em vão, diz a Bíblia. Na esfera política, os oportunistas terão mais chance de entrar nos desvãos do inferno.

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