Parem o mundo, me voy | por Iron Junqueira
Meu pai era um cara legal. No sentido de ser compreensivo e tolerante. Não foram poucas as vezes que eu testemunhei sua paciência para com pessoas difíceis, mais que ele e eu, rsssss! Gente fanática politicamente limitada. Mas vou lhes contar um lado dele com referência às pessoas humildes na hora em que ele se precipitava e cometia gafes para depois ter que consertar. Era igual sou.
Uma vez estava ele debruçado sobre seu artigo revisando. Era a sala da Diretoria do jornal Folha de Goiás. Eu tinha entrado no ambiente e fiquei no canto da sala. O rapaz encarregado da limpeza estava ruidosamente varrendo o recinto, batendo com a vassoura nos móveis, promovendo, com isso, tremendo incômodo. Pensei comigo na hora:
“O Fernando vai levar um insustentável FERNANDÓPOLIS de susto, querem ver?” Não deu outra. Meu pai levantou a cabeça e dirigiu-se ao funcionário. É agora!
— Ei, qual o seu nome? E o moço simples, engrossou a voz e respondeu longamente: —Fernannnnnnnnnnnnnnnnndooooo! O rapaz tinha orgulho daquele nome bonito de galã de novela mexicana. Oooouuuuuu, Monterrady! Artista! Só pensei. Não exclamei. Apenas sorri. Não sei ficar comportado. Por isso, talvez, me puseram de pé em frente ao relógio muitas vezes, no Colégio Anchieta, em Silvânia. Graças, claro, ao pouco humor do Padre Jair Conselheiro. Aquela turma de adolescentes matava a gente de rir. Era o Jair Barreto, de Bulhões, com suas calças frouxas comendo rapadura, era o Antônio Quintiliano chamando pela mãe em Goiânia, era o Lauro, o José Jaime, o Olímpio Jaime (não sei qual deles) tinha até um Hitler Mussolini, Osama, Guilherme, Guido Mohn, tantos garotos espertos saudosos de casa…
Bom, voltemos ao Sebastião Junqueira, meu pai, que riu do jeitão John Wayne do Fernando, escorado na vassoura, ganchoso, donaire, fazendo garbo, supondo, quem sabe, que receberia uma bronca do xerife:
— Fernannnnnndo? Repetiu, sorrindo, o patrão. Nãoooo! É pouco! Você devia chamar-se Antony Quinn! É Mais caubói! Pode baixar um pouco tanto arruído, por favor? E o Durango Kid foi lá onde estava o rádio e abaixou o volume. Era mesmo um Fernando Gabino! Na hora… Na hora, Roberto Carlos cantava “Meu calhambeque Bip-bip!”. E o diretor da empresa completou:
–– Seu nome devia ser Mané! Mais tupiniquim!
— Concordo. Entrei na prosa. Ou, talvez, Jeca! Se a tal “teoria de gênero” não implicar.
Daquele dia em diante, Fernando passou a ser chamado de Mané por seus colegas de firma. Lembrei-me agora que meu pai tinha um funcionário da Fábrica de bebidas Faraó. Era o pedreiro, o encerador de casa, era magrinho, Sidney Pottier (hoje em dia a gente não fala que ele era negro e simpático, não. Ou leva cadeia dos ignaros) Mas o Elisiário era um senhor bom demais, brincalhão, e adorava nós todos, e nós a ele. Um dia meu pai comprou um terno branco com chapéu e sapatos brancos pra ele e o levou ao cinema para ser o bilheteiro no lugar no Seu Geraldo Gebrim, no dia do filme Os navegantes, com Oscarito e Grande Otelo. A semelhança do Elisiário com o cômico Nacional valeu uma promoção para o filme. Os frequentadores confundiam o encerador de casa com o comediante. Mas a presença dele como porteiro do cinema era só em dias de filmes de chanchadas da Atlântida.
Durante a semana o palco do Seu Elisiário era a fábrica de Bebidas do meu pai. Mas em dias de filme brasileiro, ele vestia o terno branco e chapéu e ia conversar com os doutores no hall do Cine Santana. Ouuuuuuuu, tempinho bom aquele gente, que não volta mais! Tá doiiiiidoooo! Tempo em que conheci Amy Glória Sjoban, Maria Helena Magalhães, NilzaFereira de Lemos, Maria Júlia e outras tão importantes que não posso nem mencionar. Ânh, ãnh,ãnh!
Eu era pequenininho, devia ter uns dois anos, estava sentado na calçada alta de casa, onde meu pai tinha uma venda, (as águas do Rio Meia Ponte tendiam a entrar nas casas, por isso a calçada protetora), isso em Brazabrantes, conhecido como São João. Estava eu lá vendo os cavalos dos fregueses, quando, de repente, os clientes começaram a sair correndo do interior da venda, montavam em seus animais e sumiam no branqueara. Atrás deles vinha meu pai com um metro de madeira, amarelo, golpeando “os malditos cachaceiros!”, palavras do Sebastião Junqueira, “Não pagam a pinga e acham de ser valentes, não é?” E pau neles! Um a umia saindo às carreiras em seus cavalos assustados. Pouco depois chegou meu avô Pedro Cordeiro de Toledo. Era o delegado local, por ordem de Pedro Ludovico Teixeira. Ainda teve tempo de levar uns dois pra cadeia. E se foram os demais. À tarde, fui à casa do vô ver os bêbados. Minha mãe perguntou: “—Aonde você vai, filho. “ “—À cajá da vovó ver de péito como é um cachaceiro, mãe”. Pode, uma coisa dessa? Lá chegando os pinguços parece que me reconheceram. Um falou ao outro. “Quem é esse fióte de lambari?” “É o molequinho da calçada”. “Shôchim. Chêisshão os pinguchos que meu vô plendeu? E o mais engraçadinho deles respondeu: “—Chamos!” E eu os indaguei, na maior sem cerimônia. Se fosse hoje teriam me denunciado aos Direitos Humanos: Na maior inocência:”—Mahsochêisshão iguais toda gente! Todo cachorro, todo pôico, todo aribú, to…”
— SEU PEEEDRO!!! Um dos presos chamou meu avô. Hoje, lembrando-se da minha inocência aos dois aninhos, por chama-los assim, passo a refletir.
Poxa! Naquele tempo já existíamos militontos desocupados de hoje? “Pare o mundo, gente! QUERO DESCER!”
Me voy.