A criança e o tiziu | por Iron Junqueira

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Eu achava que era ingratidão deles. Ingratidão não é o termo que eu iria usar, porque aos sete anos, não saberia eu o significado dessa palavra. Mas não aceitava a reação dos passarinhos. De fugirem sempre quando a gente se aproximava. Eram engraçadinhos demais vistos de longe por um menino quase sem visão. Sempre quis a companhia das avezinhas. Mas era eu me aproximar, elas batiam asas. Eu queria que ficassem nos meus ombros, que me permitissem pegá-las, pô-las em frente o rosto, vê-las de pertinho, como fazíamos com os papagaios e periquitos. Como não conseguia, ficava bravo e reclamava à mãe: — São uns medrosos, mãe! Não me deixam brincar com eles! Minha mãe me explicava queos pássaros são ariscos por natureza. Tal de extinto de segurança, coisa e loisa. Fossem lá o que fossem não gostava que os passarinhos fugissem de mim. Explicava-lhes que eu não os machucaria. Iria pegá-los “degavarzinho”, com cuidado, como quem “pega um ovo”. Mas não adiantava confortá-los. Não aceitava minha aproximação, zarpavam. Eu me acotovelava na cadeira esfregando os olhos e ficava lamentando raivoso. “–Num dou comida pra vocês, seus ordinários!” Também, quando ia dar grãos de arroz pra eles era na palma da mão. Claro que não aceitavam! E eu ficava bravo. Quantas caixas de papelão foram usadas para fazer arapucas? E nada? Um dia perguntei à mãe, como fazer para os bichinhos serem amigos da gente… Pra brincar? Ela disse que passarinho não era criação doméstica. Em caso de canarinho, pardal, ou os criasse numa gaiola ou um adulto (adulto!) o pegasse filhotinho e cuidasse dele dando-lhe comida no bico até ficar adulto. Sai correndo. Uma ideia genial!

Eu sabia que na minha rua, a Quintino Bocaiúva, beirando o muro da casa da vizinha tinha um ninho de Tiziu, ficaria espiando, quando lá tivesse filhotinhos, pegaria um para criar. Fui lá. E tinha! Dei pulos de alegria! Peguei o filhote, todo sem plumagem, só penugem, não o achei tão bonitinho quanto pensava que fosse, mas o levei pra casa, conversando, fazendo amizade, alisando sua “carinha” e o coloquei em uma gaiola que eu sonhava habitá-la com um passarinho de estimação.

Com uma colherzinha de café a todo o momento, eu levava alimento para o bichinho. Era polvilho com água na pontinha da colher, era miolo de pão, arroz, manga, tudo ele queria, tudo aceitava, era chegar ele abria obiquinho. Falei-lhe: – Por isso que sua mãe não para em casa! Você não fecha o bico. Levantava o filhote, estava limpinho, e bico: quero mais!

— Mãe?

— O quê, menino?

— Acho que o passarinho tá com diarreia… Come, come, mas não… Não…

–Defeca? Explicava a mãe, indagando. Esperava uma explicação mais clara. Já que não veio, paciência. Dona Neném sempre entretida com sua trabalheira. Chegando o anoitecer estava eu sentado ao chão da dispensa pensando em como fazer para que o Tiziu não morresse de frio nem fosse comido pelo gato nem fugisse da gaiola.

— Ele foge? Indagou o Moacir, irmão menor, tomando assento ao meu lado, mãos espalmadas no piso– Sim. Porque ele escapou da minha mão umas três vezes. Ele sai pulando, sabe?

Enrolei-o num pano pra não sentir frio e o meu irmão parece que teve uma ideia e saiu correndo, voltando em seguida com um tijolo. – Põe em cima dele. Daí, ele não foge.

— Muito grande, não cabe dentro da gaiola. Arranja outra coisa. O Moacir saiu e voltou com uma pontinha de tijolo em formato de triângulo.

— É. Concordei. Fica mais difícil ele fugir agora. Ele está enrolado numa fralda da Ninha (nossa irmã, bebê). – É, concordou o maninho. Mas saímos os dois pra deixar o Tiziu (ou garrincha?) dormir.

Na manhã seguinte, lá pelas oito e meia/nove horas, lembrei-me do passarinho e disse ao mano: — Vamos ver o Tiziu?

Chegamos à gaiola e ele estava quietinho. Do jeito que nós o deixamos. Fui pegá-lo pra brincar com a gente. O tiziu estava parecendo uma casquinha de pau. O Moacir botou as duas mãos na cabeça olhando o extinto e exclamando: “– Tá morrido.”

É isto. 23.10.18.

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