Eu quero ver quando Zumbi chegar | por Edergênio Vieira
I, too, sing America. I am the darker brother. They send me to eat in the kitchen When company comes,
But I laugh, And eat well, And grow strong. Tomorrow, I’ll be at the table When company comes.
Nobody’ll dare Say to me, “Eat in the kitchen,” Then. Besides, They’ll see how beautiful I am And be ashamed– I, too, am America. Langston Hughes
O nascimento de um texto é sempre uma situação conflituosa para o autor. Faço da escrita um processo social de verbalização do texto escrito àquilo que sinto, percebo e intuo. Escrever é sempre um desafio de organizar e justapor as ideias no papel, de forma que caiba no espaço limitado das linhas que disponho provocações e reflexões que quero e desejo suscitar nos leitores do breve excerto.
Nessa semana escrevo sobre uma data extremamente cara para o povo preto no Brasil: O 20 de novembro, dia Nacional da Consciência Negra, data que relembra a morte de Zumbi dos Palmares. Conquanto tenhamos anos de invisibilidade vimos nascer do seio da própria militância uma referência histórica de luta e resistência perante aos longos anos de escravidão no país. Zumbi significa a força do espírito presente, e graças à persistência dos milhares de militantes negros nesse país, o último chefe do Quilombo dos Palmares não passa incólume dos debates acerca da temática igualdade racial, ainda que relegada a datas específicas como o mês de novembro. Por força da Lei 10.639 de 2003, o dia Nacional da Consciência Negra pertence ao calendário escolar brasileiro, momento importante para debater-se o mito da democracia racial em terras Tupiniquins.
Sabemos que a luta contra o racismo e o preconceito é árdua e continua, e não há preocupação em fazermos o debate, especialmente com os setores conservadores da sociedade que sempre tentam desconstruir a imagem de herói de Zumbi. Apoiados, sobretudo pela ascensão de grupos neoconservadores ao poder essas congregações buscam não apenas desconstruir o herói de Palmares e sim ocultar o legado do povo preto à sociedade brasileira. As falácias são as mesmas e usadas na velha tática: uma mentira contada mil vez torna-se verdade.
Óbvio que Zumbi não era santo, vivia em meio a uma sociedade de base escravocrata e opressora, logo reproduzia muito das vezes as relações sociais estabelecidas nessa sociedade. O Quilombo de Palmares também tinha escravos porque Zumbi era guerreiro africano e era comum nas tribos africanas a escravidão do povo vencido. Esse elemento cultural e social faz parte da cultura africana ratificada pelo vencedor e pelo vencido.
Ao trazer esses recortes históricos descontextualizados às facções conservadoras mostram que não aceitam a existência de heróis forjados no seio do próprio povo. Eles acreditam que escravidão no Brasil acabou por conta do ato “benevolente” da princesa Isabel.
Por isso o dia 20 de novembro é a data em que dizemos aos quatro cantos que a libertação do povo preto no país foi luta do próprio povo preto. A história da escravidão negra em Pindorama é a história da luta contra a escravidão. As fugas, os abortos, as revoltas e os quilombos são a prova inequívoca da resistência dos pretos no país.
Nossa luta hoje não é menos árdua do que aquela travada por nossos ancestrais. Os pretos são as principais vítimas de homicídios no país. São as maiores padecentes do desemprego, a maior parcela da população a ocupar os extratos sociais mais baixos e mais vulneráveis da sociedade brasileira. Apesar dos tímidos avanços nos últimos anos, por conta das políticas de ação afirmativa ainda é pequena a presença dos negros nas universidades brasileiras e menor ainda a presença em funções sociais de relevância na sociedade. Quantos professores negros você conhece¿ Quantos médicos, advogados, juízes, promotores, engenheiros, secretários de Estado¿
O preconceito contra as religiões de matriz afro é um dos maiores e mais cruéis que existem, a ponto de crianças serem apedrejadas por usarem roupas brancas e turbantes. A participação da mulher negra no mercado de trabalho é relegada a funções subalternas e recebendo menos do que os homens para exercer o mesmo serviço. A erotização do corpo do negro e da negra não fica atrás na escala de preconceito. São reificados para consumo erótico: O homem negro tem que ser viril, ao passo que a mulher negra é tipificada como quente. São estereótipos forjados como se o homem e a mulher negra fossem meros objetos.
A necessidade de um dia da consciência negra é evidenciado na desconstrução dessas narrativas e ninguém irá nos silenciar. “Fomos socializadas para respeitar mais ao medo que às nossas próprias necessidades de linguagem e definição. E enquanto a gente espera em silêncio por aquele luxo final do destemor, o peso do silêncio vai terminar nos engasgando” Audre Lorde. Pois saibam que não vão nos calar.
Viva nossos deuses, nossas crenças, nosso jeito de ser, nossa cor e nossa historia, viva Zumbi, Dandara, Marielle, viva Oxum, Oxalá, Iansá, Iemanjá, viva o Dia Nacional da Consciência Negra!
Edergênio Vieira é professor da rede municipal de ensino de Anápolis. Instagram @edergeniovieira