Anápolis pode ficar sem médicos estatutários em 20 anos

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Novos contratos estão impondo a pejotização aos profissionais de saúde

Pesquisa revela que o último concurso público para a categoria foi em 2015 e que as Organizações Sociais estão dominando a gestão dos serviços de saúde

Publicado: 11.07.2023

Resultados de pesquisas realizadas por um grupo de médicos mostraram que o último concurso público para admissão de médicos estatutários na área da saúde em Anápolis foi realizado em 2015, onde foram ofertadas 121 vagas em regime de plantão (para as especialidades de cirurgia geral, clínica geral, pediatra e ortopedia), 35 vagas para ambulatório (cardiologia, cirurgia cabeça pescoço, dermatologia, endocrinologia, geriatria, ginecologia e obstetrícia, infectologia, mastologia, neurologia, otorrinolaringologia, ortopedia, pediatria, psiquiatria, reumatologia e urologia) e 1 vaga para medicina do trabalho. Provavelmente, a categoria de médico estatutário (de carreira) em Anápolis estará como os dinossauros – extinta em um prazo aproximado de 20 anos, já que os atuais provavelmente estarão todos aposentados.

Considerando que o último concurso foi há 8 anos e somados a 20 anos, a categoria “médico estatutário (de carreira)”, em 2043, será até esquecida de que um dia existiu. O modelo de mercado mudou radicalmente com a implementação das OSS e pejotização (contratação de pessoas jurídicas) parece que é um processo inevitável e irreversível. As Organizações Sociais de Saúde (OSS) são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que obtiveram a qualificação de Organização Social por meio de decreto presidencial, para realizar atividades de interesse público. Elas são postas como responsáveis pelo gerenciamento de serviços de saúde do SUS (Sistema Único de Saúde) em todo o país, em parceria com as secretarias municipais e estaduais de saúde (“Organizações Sociais de Saúde – SES – LAI – Pernambuco”).

Elas surgiram como uma forma de agilizar e modernizar a administração pública, mas também são alvo de críticas por favorecerem a privatização e a mercantilização da saúde. “Para conhecimento dessa nova geração, que não tem ideia do que era um concurso público na área de saúde, vale esclarecer: eram cobrados conhecimentos técnicos na área de língua portuguesa e interpretação de texto, na área de história de Goiás (sim, selecionava os mais cultos e eruditos em história) e um minucioso teste para conhecimento de áreas específicas. A análise de currículo era apenas classificatória, ou seja, era impessoal. Uma vez aprovado dentro do número de vagas, o médico era submetido a um exame médico e psicotécnico e então tomava posse no cargo”, explica o explica o médico Gustavo Rezende, que participou do estudo.

Marcio Paiva, presidente do SIMEA explica que os processos seletivos das OSS ou credenciamento não obedecem a um caráter impessoal como ocorria com uma banca de concurso. Nesse tipo de contratação nada é ostensivamente fiscalizado ou protegido. As OSS têm uma liberdade bem maior no seu processo seletivo, não sendo obrigatórias as fiscalizações e cumprimento aos critérios legais. O poder público é muito mais rigoroso e criterioso na realização de seus concursos, algo que não é cobrado oficialmente de um simples processo seletivo que pode ser apenas avaliação de currículo e entrevista, dispensada a necessária prova objetiva ou discursiva que dimensionariam, de maneira mais ampla, a capacidade do profissional. “Ou seja, nem sempre serão selecionados aqueles que possuem os conhecimentos necessários para oferecerem um serviço de qualidade para a população”, explica o médico.

Segundo o artigo escrito pela Médica Heloísa Maria Mendonça de Morais, com o título Organizações Sociais da Saúde: uma expressão fenomênica da privatização da saúde no Brasil, no plano das relações com o Estado, as OSS têm se beneficiado das brechas e facilidades concedidas pela lei e apresentado uma notável expansão. Evidenciou-se um movimento recente das OSS pela busca concomitante da condição de entidades filantrópicas, assegurando múltiplas oportunidades de captação de recursos e de benefícios fiscais; a possibilidade de aplicação de excedentes financeiros no mercado de capitais; e a remuneração de seus corpos diretivos. “Há uma concentração em serviços hospitalares com maior densidade tecnológica; nítida predominância de cláusulas respeitantes ao incremento de repasses financeiros em detrimento de outras cláusulas regulatórias; existência de modalidades especiais de contratos com serviços-meios absolutamente estratégicos para o funcionamento geral do SUS. Portanto, neste estudo as OSS se configuram como um dos componentes do Complexo Econômico Industrial da Saúde, nas vertentes da gestão, da prestação e da regulação de serviços, em um cenário de intensiva mercantilização da saúde e de transferência de fundo público para o setor privado”, afirma.

Alternativas

Segundo o estudo, para os médicos, as OSS podem representar uma perda de estabilidade e de direitos trabalhistas, além de uma maior subordinação aos interesses econômicos das entidades gestoras. Para a população, as OSS podem comprometer a qualidade, a universalidade e a integralidade dos serviços do SUS, além de favorecerem a corrupção e o desvio de recursos públicos. Na tentativa de reverter essa tendência, foi realizada uma reunião com a atual Secretária de Saúde de Anápolis, Elinner Rosa, no dia 31/05/2023, quando foi discutida a seguinte pauta:

– A realização de novos concursos públicos para médicos estatutários em Anápolis, garantindo a reposição dos profissionais que se aposentarem ou se desligarem do serviço público;

– A fiscalização rigorosa dos contratos e convênios com as OSS, exigindo o cumprimento das metas e indicadores de qualidade, eficiência e transparência na gestão dos serviços;

– A valorização dos médicos que atuam no SUS, oferecendo melhores condições de trabalho, remuneração digna e capacitação permanente;

– A participação social na formulação, implementação e controle das políticas públicas de saúde, fortalecendo os conselhos, as conferências e os movimentos populares em defesa do SUS.

Paiva, avalia que a situação é grave. Para alguns coordenadores médicos, o interesse é eliminar os médicos estatutários, com palavras de “comando” tipo “FORA OS MÉDICOS CONCURSADOS” em prints de grupos de trabalho. Muitos médicos concursados já pediram exoneração, pois não suportaram a pressão e assédio. “A população de Anápolis mais engajada e esclarecida observará que essa dinâmica complexa tem o propósito de substituir a categoria de médicos estatutários por contratados, com redução de seus direitos, recebimento de salários menores, sem estabilidade, podendo ser dispensados sem justa causa, a qualquer momento”, espera o médico.

A contratação de profissionais não submetidos a avaliações criteriosas dos seus conhecimentos e habilidades, submetidos a um contrato precário e sem qualquer estabilidade de emprego, expõe a população a riscos que já são percebidos no dia a dia. “Contamos com a sensibilidade da Secretária Municipal de Saúde para ouvir as aspirações da categoria e a consequente busca de solução aos problemas enfrentados. Esperamos que ela reconheça a importância dos médicos estatutários para o SUS e para a saúde pública em Anápolis, e que ela promova medidas para valorizá-los, protegê-los e incentivá-los. Afinal, sem médicos não há saúde. E sem saúde não há vida”, pontua Paiva.

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