JE Especial Bairros – Do abandono ao acolhimento

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LUIZ EDUARDO ROSA

A formação do bairro Novo Paraíso a partir de um refúgio de leprosos abriga uma história que vai do abandono, e da segregação, para o acolhimento. O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) chegou como resposta de emancipação dos hansenianos que, em Goiás, para viverem com suas famílias, ou ficavam em desamparo ou então tinham que ficar sob o caráter doutrinário de instituições religiosas. A luta pela reintegração do hanseniano se encontra na trajetória do setor, como também na vida do coordenador da sede da Entidade, Carlos Tadeu, de 53 anos.

A falta de informação no Brasil sobre a hanseníase levou inúmeras famílias a terem problemas de lidar com a doença, desconhecimento que até hoje é possível constatar entre a população, inclusive em âmbito local. Foi assim que na década de 1960, a família biológica de Carlos Tadeu o abandonou, com seus oito anos de idade, após constatar que as feridas em seu corpo eram hanseníase. O que restou para Carlos foram as ruas da cidade mineira de Monte Carmelo, até ser apreendido pela Polícia e encaminhado à vigilância epidemiológica, devido exclusivamente seu aspecto que apontava a hanseníase agindo em seu corpo.

Ao mesmo destino de crianças, jovens e adultos com hanseníase na região, ele foi encaminhado à Colônia Santa Isabel, em outro município mineiro, Betim. “Ao ver pessoas em estágio avançado da doença na Colônia, eu, adolescente, pensei; quando eu crescer, ficarei com meu corpo e minha vida neste estado?”, relembra Carlos. Para ter uma imagem melhor descrita por Carlos da Colônia Santa Isabel é preciso apresentar mais detalhes. O local era todo cercado, se assemelhando aos muros limítrofes de um presídio, contando inclusive com torres de vigia armada. Na Colônia eram 5 mil pessoas internadas, eram doentes de várias idades e diferentes estágios da doença que conviviam em um mesmo espaço.

Pessoas com algumas feridas causadas em estágio inicial pela hanseníase conviviam com aquelas que já estavam sem membros ou com partes do corpo deteriorados pela ação do bacilo de Hansen. As condições proporcionadas no ambiente eram de necessidade básica de sobrevivência e o tratamento para que os doentes não evoluíssem seus estágios. Nesta época ainda não havia desenvolvido o coquetel de medicamentos para a cura completa da doença, fato que somente concretiza em 1986. Aos 17 anos, Carlos arriscou em fuga e conseguiu escapar da Colônia. “A vigilância policial e epidemiológica perseguiam aos hansenianos como criminosos nas cidades”, explica Carlos.

Um de seus primeiros destinos para buscar uma nova perspectiva foi na cidade de Brasília, Distrito Federal. Na Capital Federal foi possível encontrar trabalho, porém a doença voltou a agir, tendo em vista o tratamento que tinha sido possível somente na época em que esteve na Colônia, não alcançando a cura. “Ao constatar a situação, o pessoal da empresa então me ajudou a conseguir aposentadoria por invalidez, aos meus 18 anos e poucos meses de idade”, aponta Carlos. Uma das referências possíveis na região foi o refúgio de hansenianos em Anápolis, situado nas proximidades do Morro do Cachimbo, atualmente Novo Paraíso. Lá acontece um encontro que muda sua perspectiva de vida, de fuga/exclusão para o acolhimento.

Encontro
“Por fim, a busca de grupos como os hansenianos é sempre de referência com outros que tem a doença, além disso, por uma questão de identidade acabei buscando onde estavam os hansenianos na região”, aponta Carlos. Ao chegar ao Refúgio conheceu um dos moradores que atendia com curativos e acolhimento de hansenianos que buscavam o local, era José Pereira Rodrigues que acabou convidando Carlos a morar em sua casa no setor, enquanto tratava da doença. Lá Carlos passou a morar com José e sua esposa, ambos já idosos. Assim como José fazia os curativos nos hansenianos que buscavam ajuda, Carlos também ajudava no atendimento.

Neste momento que Carlos chegou em Anápolis, início da década de 1980, o amazonense Francisco Augusto Vieira Nunes, mais conhecido popularmente como “Bacurau”, saiu de um hospital colônia no Acre e foi à cidade paulista de Bauru para tratamento. Em Bauru, Bacurau inicia através da imprensa local uma mobilização para luta contra os preconceitos com a população hanseniana, fundando o Morhan em junho de 1981. As articulações para a fundação de uma sede em Anápolis acontecem no ano de 1984. “A princípio, eu estava desinteressado pelo Movimento, achava ele muito submisso aos grupos político, porém depois fui tomando consciência do comprometimento com essa causa”, conta Carlos. José Rodrigues que dá nome à sede do Morhan na cidade, faleceu em 1988.

O Refúgio recebia doações e atendimento das entidades religiosas e de lojas Maçônicas, o que além da caridade, vinham também um controle doutrinário religioso sob a dinâmica vida dos hansenianos e suas famílias. “O primeiro desafio foi fazer-se entender a importância da iniciativa do Morhan estar independente de qualquer influência de caráter institucional ou religioso”, explica Carlos. Neste processo de conscientização, iniciaram as articulações para construir a sede do Morhan na cidade. Carlos solicitou à Maçonaria a compra e doação da área do cemitério clandestino onde se enterrava os hansenianos para a Sede, o que foi concretizado. A partir da articulação nas rádios e a continuidade das doações realizadas por pessoas anônimas e instituições da cidade, foram retiradas as cercas do antigo Refúgio e construída a sede.

Atualmente, com décadas após a descoberta da cura, o Morhan em Anápolis além de atender os hansenianos sem condições de sustento, atende aos encaminhamentos de pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social. Um convênio com o Município encerrou em 2011, desde então as doações são pessoas anônimas e ação de telemarketing, com as contribuições buscadas por office boy no local onde o doador está. São 28 profissionais de diferentes funções e áreas que atuam em regime de escala por período do dia, todos contratados segundo orientam seus respectivos sindicatos. “Assim como um dia fui acolhido por uma pessoa que não tinha condições, vendo as pessoas desamparadas após o falecimento de José, dei continuidade a essa tarefa”, declara Carlos.

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