Lei frouxa deixa criminosos na rua e violência aumenta em Anápolis

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Soldados Cleyton, Paulo Roberto e Diomar com Ednaldo Santos Brito, que confessou estupro e espancamento de mulher

Semana foi marcada por casos que comprovam declaração de comandante do 4º BPM, tenente-coronel Rubens Maia: criminosos foram soltos e voltaram a fazer vítimas em Anápolis

MARCOS VIEIRA

Três criminosos presos recentemente pela Polícia Militar de Anápolis, colocados em liberdade por nuances bem particulares da legislação brasileira, foram flagrados poucos dias depois cometendo novos crimes. Esse prende e solta que expõe cidadãos de bem e coloca em risco, inclusive, policiais no exercício de suas atividades, fez com que o comandante do 4º BPM, tenente-coronel Rubens Maia, reagisse ao cenário pouco animador com um desabafo aos veículos de comunicação: “Lamentavelmente lidamos com a frouxidão da nossa lei”.
Não é de hoje que autoridades da área da segurança pública cobram mudanças no Código Penal Brasileiro, criado em 1940 pelo então presidente Getúlio Vargas. O conjunto de leis virou uma colcha de retalhos e algumas mudanças pontuais foram feitas ao longo dos anos, geralmente no calor de um acontecimento trágico de repercussão nacional, o que não resolve. Essa poderia ter sido uma das principais bandeiras dos candidatos à presidência da República, mas foi pouco debatida ao longo da campanha.
A disposição para mudar a lei talvez tenha sido fundamental para que o delegado Waldir Soares de Oliveira (PSDB) conquistasse a maior votação para deputado federal da história de Goiás (274.625 votos). Seu perfil no Facebook, bastante visitado, prega do início ao fim a tolerância zero para criminosos e seu slogan de campanha, aproveitando seu número, 4500, dizia “45 no calibre e 00 da algema”. O cronista esportivo Mané de Oliveira, cujo filho, Valério Luiz, foi assassinado em 2012, foi o deputado estadual líder de votos neste pleito (62.655 votos). Ele atribuiu o resultado das urnas à sua luta contra a impunidade.
Para muitos brasileiros (e os movimentos na internet confirmam isso), o criminoso não deve ser preso somente com a condenação. A razão da prisão não é apenas a punição ou retribuição pela condenação, mas também a prevenção e tranquilidade social, pois se aquele criminoso permanecer em liberdade durante o inquérito policial ou processo, poderá continuar a praticar os crimes. Em determinadas situações, pelo passado do criminoso e pela forma de vida e atuação nos crimes, já é possível perceber que ele não pode permanecer em liberdade, sob pena de ocorrerem homicídios e outros crimes hediondos.

Estupro
O caso de Ednaldo Santos Brito, 23 anos, dá argumentos para quem defende a tolerância zero. Com passagens por roubo e receptação, ele tinha sido preso recentemente pela PM. Acabou permanecendo pouco tempo atrás das grades e, na última segunda-feira (13), resolveu agir. Ednaldo roubou uma motocicleta de um senhor em frente ao Anashopping. Com o veículo se deslocou até um escritório de advocacia na Avenida Contorno, onde praticou novo roubo e – o mais estarrecedor – estuprou e espancou uma secretária de 33 anos que se preparava para ir para casa com o final do expediente.
O estado da vítima chocou os policiais militares que, inicialmente, tinham sido acionados por populares, que notaram algo de errado no escritório, com o vidro de uma das janelas quebrado. “A consternação tomou conta dos policiais ao verem o estado da mulher. A partir daí eles realizaram um trabalho ainda mais dinâmico”, frisou o comandante Rubens Maia. Ednaldo Santos foi preso duas horas depois de cometer o primeiro crime, o roubo da moto. O marido da vítima ligou para o celular dela, que tinha sido levado pelo bandido. Ednaldo atendeu a chamada, disse que estava arrependido. Um policial então se passou pelo companheiro da mulher, marcou um encontro com o criminoso e a prisão foi efetuada.
Ao ser detido, Ednaldo Santos negou os crimes, mas acabou confessando quando a PM mostrou as imagens da câmera de segurança do escritório de advocacia. O dono da moto roubada também o reconheceu. Segundo o coronel Rubens Maia, trata-se de um criminoso frio, dissimulado e muito cruel. “Inclusive o histórico dele de outras ocorrências de roubo a veículo demonstrou alto grau de crueldade diante de suas vítimas indefesas”. Apesar das pancadas na cabeça e outras lesões, a vítima do estupro não corre risco de morte.

Tiros
O comandante do 4º BPM também relatou a prisão de dois homens no dia 12 que são velhos conhecidos da Polícia Militar. Jhonny Moreira Mendes, 30 anos, estava em um comércio na Vila Formosa quando foi abordado por policiais militares. Ele desacatou a ordem para ser revistado, correu para dentro do estabelecimento e disparou contra a PM. Acabou atingido, encaminhado ao Hospital de Urgências de Anápolis (Huana), mas não resistiu aos ferimentos e morreu na última quarta-feira (15). Jhonny chegou a atingir um sargento na ação: a bala perfurou o bolso da calça da perna direita do policial e atingiu sua carteira de documentos, não o ferindo.
Ainda no dia 12, por volta do meio-dia, policiais se depararam com Matheus Henrique Silva Fernandes, 18 anos, no Vivian Park, conduzindo uma motocicleta. O jovem tentou fugir, mas acabou abordado pela PM, que na busca encontrou em sua posse um revólver calibre 32 com quatro munições intactas. Pelo mesmo crime, Matheus já tinha sido preso por policiais no dia 29 de agosto.

Contribuição
Enquanto a legislação não muda, a PM acaba contando com o apoio da população para denunciar bandidos. O coronel Rubens Maia afirmou que o intuito não é induzir o cidadão de bem a correr riscos, mas colaborar com as forças de segurança sempre que possível. No caso do estuprador, a prisão só foi possível porque populares informaram rapidamente a ocorrência da vidraça quebrada. A vítima do roubo da moto também registrou o crime imediatamente. “A população tem que confiar na PM. Não é fácil de falar no 190, mas existem telefones funcionais das viaturas que podem ser acionados”, disse o comandante do 4º BPM.

Falta de espaço para presos do semiaberto facilita reincidência

Para o presidente do Conselho da Comunidade da Execução Penal, advogado Gilmar Alves Santos, o grande número de homicídios em Anápolis – 132 até a última sexta-feira (17) – está relacionado também à falta de espaços na cidade para cumprimento dos regimes aberto e semiaberto.
No regime semiaberto, o cumprimento da pena deve ocorrer em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. O condenado poderá ser alojado em locais coletivos e sua pena estará atrelada ao seu trabalho. Um exemplo comum nesse tipo de prisão é reduzir um dia de pena a cada três dias trabalhados.
No regime aberto, o preso cumpre a pena em casa de albergado, que é um presídio de segurança mínima, ou estabelecimento adequado — as limitações, neste caso, são menores. Neste caso, os presos permanecem no local apenas para dormir e aos finais de semana, e exige-se que ele trabalhe ou prove que tem condição de ir para o mercado de trabalho imediatamente após a progressão.
Gilmar Alves informa que Anápolis tem cerca de 300 condenados no aberto e 400 no semiaberto, todos teoricamente em prisão domiciliar, mas sem qualquer tipo de fiscalização – até mesmo porque com essa quantidade de pessoas, não há agentes suficientes para realizar um acompanhamento. “Encontro condenados a esses regimes em bares e festas nos finais de semana”, frisa o presidente do Conselho da Comunidade da Execução Penal.
Gilmar Alves revela que esses condenados têm tendência de reincidir, o que coloca Anápolis com uma alta taxa de homicídios e de crimes diversos. Há ainda outro aspecto: eles acabam virando vítimas, pois as disputas de traficantes, principalmente, terminam invariavelmente em assassinatos.
O Conselho da Comunidade da Execução Penal fez diversas gestões para conseguir tornozeleiras eletrônicas de monitoramento de presos. Cem aparelhos do tipo foram liberados para Anápolis, mas os agentes carcerários que estavam fazendo curso para aprender a utilizá-los foram afastados do presídio local depois que detentos espancaram um homem acusado de diversos crimes sexuais. Novas pessoas estão se inteirando do uso dos dispositivos.
Gilmar Alves explica que a tornozeleira é fundamental principalmente para aqueles que estão cumprindo medidas cautelares, que não podem se aproximar da vítima, por exemplo. Outra bandeira defendida pelo Conselho da Execução Penal, que segundo seu presidente conta com o apoio da juíza Edna Maria Ramos da Hora e do promotor de Justiça Lucas César Costa Ferreira, é de utilizar o atual presídio, assim que o novo ficar pronto, para presos aguardando julgamento e para o semiaberto. “Seriam feitas algumas obras físicas para que o pessoal do semiaberto não traga nada da rua para os presos provisórios, ou seja, uma separação eficaz”.
O presidente do Conselho da Execução Penal acredita que com as tornozeleiras e com um local adequado para o regime semiaberto, a criminalidade cairia 50% em Anápolis. Gilmar Alves cita o exemplo de Goiânia, que já possui espaço para os presos e com as tornozeleiras conseguiu reduzir a violência em 20%.

RELEMBRE

Em agosto de 2013, o Ministério Público propôs ação pública contra o Estado visando garantir imóvel com instalações adequadas ao cumprimento de penas em regime aberto em Anápolis. O pedido era por um espaço que abrigasse 239 pessoas, que seriam recolhidas no período noturno. Também foi cobrado um imóvel com capacidade para 465 reeducandos do semiaberto, com recolhimento em tempo integral.
O MP informava à época que em Anápolis, cerca de 700 presos cumpriam pena nos regimes semiaberto e aberto sem fiscalização efetiva, apenas assinando um livro mensalmente, pois vinham cumprindo regime domiciliar desde 2010, quando o Centro de Inserção Social de Anápolis foi interditado, em caráter definitivo, para uso no cumprimento de pena em regime semiaberto. Essa mesma decisão determinou o recolhimento domiciliar dos reeducandos. Atualmente, portanto, eles não estão cumprindo pena por ausência de local adequado.
O MP comentou ainda que a concessão da prisão domiciliar para os sentenciados gera a certeza da impunidade nos criminosos, culminada pela descrença da população na segurança pública e o desestímulo à atividade estatal de proteção penal pelos órgãos essenciais à Justiça.

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