Falta de água no ápice gera tensão, mas sem ‘culpados’   

O problema complexo, com vários pontos, leva sempre a uma constatação: ninguém assume a culpa pela falta de água em Anápolis, trata-se até agora de uma crise sem dono

DA REDAÇÃO

A chuva que caiu durante parte da madrugada de sexta-feira (23), se estendendo pela manhã, serviu para que o anapolino vislumbre o fim da falta de água em Anápolis nos próximos dias, mas passa longe do término de um problema enfrentado há anos, que talvez tenha chegado ao ápice agora em 2015, com uma estiagem rigorosa, calor insuportável e torneiras secas na maioria dos bairros da cidade.

Nos últimos dias, enquanto o povo reclamava nas redes sociais, autoridades discutiam a crise da falta de água, cada um apontando um culpado. A bacia do Ribeirão Piancó, responsável pelo abastecimento de 80% de Anápolis, está saturada: isso é o que dizem os especialistas. Mas de quem é a culpa?

O uso indiscriminado da água por agricultores da região do Piancó; a falta de investimentos da Saneago ao longo dos anos; a ausência de uma represa para armazenamento; a ineficiência da administração municipal para fiscalizar o contrato assinado por ela com a estatal; vazamentos que desperdiçam 30% da água produzida na cidade; e a falta do uso racional do produto por parte da população. Essas são algumas questões levantadas na cidade sobre o assunto. O problema complexo, com vários pontos, leva sempre a uma constatação: ninguém assume a culpa pela falta de água, trata-se de uma crise sem dono.

Fato é que a Saneago deu início a um rodízio em Anápolis sem comunicar em sua página na internet que o horário de reinício do reabastecimento nos bairros não implicava necessariamente que a água aparecia nas torneiras. Em algumas regiões, era preciso acrescentar cerca de mais oito horas do horário informado na internet pela estatal, porque o sistema é lento.

A Câmara Municipal é a caixa de ressonância dos assuntos da comunidade. E nessa semana, os vereadores falaram basicamente do problema. Houve defesa da municipalização, moções de repúdio contra o governador, propostas de audiência, críticas ao prefeito, bate-boca por uma reunião ocorrida no passado, entre outras discussões. O principal ponto foi a presença da gerente da Saneago na cidade, Tânia Valeriano, no plenário da Casa na última terça-feira (20).

Tânia falou sobre os produtores rurais do Piancó. O que foi apontado por ela é o uso indiscriminado da água, tanto para a agricultura, quanto para o lazer. Segundo a gerente, são cerca de 260 represas em propriedades da região, todas utilizando a água do Piancó.

“Nitidamente ao acompanharmos o nível do Piancó após a fiscalização das equipes de meio ambiente do Estado, constatamos que em um prazo de 20 minutos ele subiu de 30 a 40 centímetros”, apontou Tânia. A gestão de uso da bacia é de responsabilidade da Secretaria Estadual de Cidades e Meio Ambiente (Secima), que a partir de ações envolvendo o Ministério Público (MP) passou a apertar a fiscalização.

Quanto ao fato de Anápolis não ter uma grande represa de armazenamento de água, Tânia Valeriano explicou aos vereadores que essa alternativa é inviável porque o mero fato de reservar água não garante uma ampliação da reserva disponível, e sim somente uma compensação de oscilações. “Caso for utilizada a água estocada em um reservatório, que pode ser até no tamanho de Anápolis, ele simplesmente seca, por não haver uma entrada contínua de mais fluxo d’água”, explicou. Segundo ela, dessa forma estaria inviabilizado um projeto dessa dimensão por não haver garantias de resolver a questão.

Dificuldades

Durante as últimas duas semanas houve interrupção do abastecimento em muitos bairros da cidade. A situação climática, a não incidência de chuvas e forte calor instalaram uma situação calamitosa que inviabilizou até o funcionamento de órgãos do Executivo e Judiciário na cidade e também em estabelecimentos privados. As escolas encerraram as aulas mais cedo e as unidades de saúde tiveram que depender de caminhões pipa para manter a reserva regular de forma a não interromper o funcionamento de água.

Diante da dificuldade de uma vazão adequada ao abastecimento da cidade, a partir da última terça-feira (20) foi divulgada uma tabela de rodízio de abastecimento organizada pela Saneago. A escala desde então, até o fechamento dessa edição, era de 24 horas de abastecimento nos bairros de um determinado setor de abrangência, por 48 horas de interrupção. “Desde o dia 4 deste mês a vazão do Piancó diminuiu drasticamente. Passamos a usar menos bombas para captação”, explicou Tânia.

Tensões

Atualmente, segundo Tânia, a capacidade de fiscalização da Secima é desproporcional a demanda. Em um dia é possível fazer a fiscalização de até três propriedades rural. Um dia depois da visita dos fiscais, o uso indiscriminado da água volta a acontecer. “Houve uma mobilização dos produtores forçando a Saneago a deixar de captar água no Piancó”, declarou Tânia.

Uma das direções tomadas para resolver a crise da falta de água seria utilizar mais outro sistema, com captação na confluência do chamado Piancó 2 com o Anicuns. Uma terceira reserva é o Rio Capivari.

Para 2016, além de utilizar esse sistema do Piancó 2 com o Anicuns, a Saneago pode começar a captação no Capivari – isso estava previsto para ocorrer somente daqui a seis anos. A gerente Tânia Valeriano que qualquer ampliação não será suficiente se a bacia hidrográfica for usada de forma descontrolada.

Na próxima quinta-feira (29), diretores da Saneago estarão em Anápolis para apresentar propostas que resolvam de vez a falta de água na cidade nos próximos anos.

Em nota divulgada na tarde de sexta-feira (23), a Federação da Agricultura do Estado de Goiás (Faeg) falou sobre a falta de água em Anápolis. “Sobre as últimas declarações que envolvem a falta de água no município de Anápolis, a Faeg alerta para o fato de que, mesmo se comprometendo oficialmente em 2006, a Saneago não aplicou melhorias estruturais na captação de água para a região. A federação entende que a ineficiência da empresa colocou a cidade em estado de calamidade e que essa responsabilidade não pode ser transferida para os produtores que seguem a legislação, trabalhando de sol a sol para colocar alimento na mesa da população”, escreveu a entidade.

Produtores rurais se reúnem com Secima

 Representantes da Secretaria das Cidades e do Meio Ambiente (Secima), do Batalhão Ambiental e da Associação de Produtores Rurais da Região do Piancó se reuniram na quarta-feira (21), para discutir a regularização da situação desses irrigantes, que têm retirado água irregularmente da maior fonte de abastecimento público de Anápolis.

A falta de chuvas e a redução do nível do córrego Piancó têm causado sérios problemas para o abastecimento público em Anápolis. Para piorar, produtores rurais têm retirado água irregularmente do manancial. Com base nessa situação, a Secima e a Saneago desencadearam uma operação de fiscalização ambiental para detectar retirada ilegal de água do Piancó e outros crimes ambientais que afetam direta e indiretamente o córrego. Por mais de duas semanas, equipes da Secima e do Batalhão Ambiental percorreram a região e encontraram várias bombas d’água em atividade, sem a devida outorga de uso de água, concedida justamente pela Secima. A Secima lacrou seis bombas e apreendeu duas. Ao todo, foram lavrados 16 autos de advertência e quatro autos de infração, devido às bombas não possuírem outorga, além de estar em áreas de proteção e possuir tanques de combustível próximos ou mesmo dentro do manancial. Só uma das bombas possuía mais de 240 cv de potência e retirava água suficiente para abastecer 30 mil pessoas.

Com isso, várias bombas foram lacradas, os produtores em situação irregular foram advertidos ou multados. Se por um lado, a fiscalização visa garantir que a água chegue à população, por outro, a produção desses pequenos agricultores fica comprometida. “Cada um tem o seu papel, e o da Secima é justamente a gestão da água, que hoje possui novas ferramentas, como o Comitê da Bacia dos rios Corumbá, Veríssimo e São Marcos, do qual o Piancó faz parte”, ponderou o superintendente da Secima, Mário João de Souza.

A legislação diz que qualquer uso de água sem outorga deve ser interrompido. “Como há um conflito de interesses, temos que acompanhar e fiscalizar para que haja maior equilíbrio no uso dos recursos hídricos”, afirma o comandante do Batalhão Ambiental, João Batista de Freitas Lemes.

Representante da associação dos produtores rurais, Amélia Ferreira reclama que os agricultores não têm recebido a devida atenção das autoridades. “O produtor não é responsável pela falta de água”, alerta. Amélia listou as exigências da associação, entre elas, o fim da operação dos fiscais, a concessão de outorgas para os produtores da região, a certeza de que a região não será transformada em Área de Preservação Ambiental e apoio técnico ao agricultor.

“A fiscalização vai continuar para garantir o abastecimento da cidade”, garante o superintendente Mário João. Também não há previsão concessão de outorgas, conforme o superintendente de Recursos Hídricos, Bento de Godoy Neto.

Comitê

Bento de Godoy diz que a solução para o impasse passa pelo comitê da bacia dos rios Corumbá, Veríssimo e São Marcos, que é um fórum com representantes de diversos setores e pode propor soluções para o impasse. “O comitê pode cobrar providências tanto do Poder Público quanto dos setores usuários de água”, explica. Uma das propostas é fazer uma outorga coletiva que valha para toda a região e que os irrigantes diminuam a retirada de água, além de uma escala de uso em horários de baixa demanda, além da otimização dos sistemas de irrigação, que na maioria é feita por aspersão. “Temos que fazer o possível para reduzir as perdas na produção desses agricultores, mas sempre com o objetivo de garantir água à população”, resume Bento de Godoy.

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