Dia 27 de outubro começa a vida real

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MARCOS VIEIRA

Fim das eleições. Nessa segunda-feira, dia 27 de outubro de 2014, está decretada a volta à vida real no Brasil. Esqueçamos os programas de televisão minuciosamente elaborados por marqueteiros especialistas em entender o que a população quer ouvir, mesmo que nem sempre seja verdade. Deixemos de lado os debates com suas réplicas e tréplicas e o meu-governo-é-melhor-que-o-seu, etcetera e tal. Comemoremos o fim da poluição visual da nossa cidade e dos “candidatos” nos semáforos, olhando para nossas caras através de adesivos colados no vidro do carro que vai à frente. Enfim…

Caberá à presidência da República, em caráter irrevogável, sem disputas partidárias, olhar para os estados que sofrem hoje com a estiagem. Falta água em uma de cada três cidades brasileiras. Já se sabe que as chuvas que devem começar em breve não serão suficientes para repor as perdas no Sudeste e no Centro-Oeste. É preciso o nível mínimo de 42% para garantir o abastecimento de energia elétrica, mas os meteorologistas não asseguram nem isso. Durante a campanha a culpa pela falta de mecanismos que amenizassem os efeitos de uma seca prolongada foi passada de mão em mão.

É utopia acreditar que esse jogo de empurra vai mudar, mas o eleito para o cargo mais importante da Nação não pode fugir à responsabilidade de liderar crises, sejam elas onde estiver. Afinal, os votos que garantiram a vitória nas urnas saíram de todos os municípios. Logo, óbvio, o problema dos brasileiros também tem que ser o problema do presidente da República. O raciocínio é simplório, mas vou me arriscar a colocá-lo aqui: o governo federal arrecada trilhões de reais com impostos, portanto deveria não gastar esse dinheiro apenas com ele mesmo, o tal funcionamento da máquina, mas com o que interessa ao povo.

Eu não ligaria que parte do orçamento público fosse usada exclusivamente para garantir água na torneira das pessoas. Acho até que isso não implicaria em reduzir a verba de outras pastas. No Brasil é bobagem dizer que “se gastar menos com esporte, sobra mais para a saúde”. Aquela história pré-Copa do Mundo: “não quero estádios, quero hospitais”. Com o dinheiro arrecadado com os impostos, dá para construir um estádio e um hospital por mês, ainda sobraria dinheiro para financiar espetáculos artísticos, para construir novas escolas e urbanizar favelas. O problema então é o mau uso do dinheiro. Em Anápolis, o Túnel 2 da Ferrovia Norte-Sul custou muito dinheiro porque o governo federal fez um projeto capenga. Quando furaram o buraco para a passagem do trem descobriram que ali havia uma mina d’água. Resultado: a empreiteira quis mais dinheiro para “salvar” a obra que foi inaugurada, mas não funciona. Aliás, esse é outro problema da vida real que deve ser encarado a partir deste dia 27 de outubro.

Também faz parte da vida real, e não do fantástico mundo do marketing político, o problema crônico do Sistema Único de Saúde (SUS), essencial para a vida de oito em cada dez brasileiros. Talvez seja a principal demanda do brasileiro, que nunca sai de moda, porque simplesmente nunca é resolvida. Seria um feito histórico se o presidente que venceu a disputa eleitoral conseguisse eliminar a eterna preocupação do brasileiro de não saber se terá assistência caso caia doente do dia para a noite. Não dá para falar de políticas públicas para a área em um único artigo, mas por que se investe tão pouco em pronto-socorro? Na última semana, a imprensa brasileira mostrou que no atendimento do Hospital de Urgências, de Teresina, registraram-se seis mortes por dia no primeiro trimestre deste ano.

Outra urgência é o déficit de saneamento básico, algo tão brasileiro quanto a jabuticaba e os especiais de final de ano do Roberto Carlos. Cálculos já feitos por quem se encarrega disso é que a ausência de água potável e rede de esgoto acabam adicionando à superlotação dos hospitais um contingente de 700 mil novos pacientes por ano. Oito em cada dez projetos federais anunciados há quatro anos, por exemplo, não saíram do papel.

Apesar de assuntos óbvios, poucos falaram sobre esses assuntos ao longo da campanha. Quando se falou de falta de água, de saúde precária ou saneamento básico inexistente foi para criticar o adversário. Que o eleito neste domingo comemore, agradeça ter sido o escolhido e comemore um pouco mais o direito de governar um país tão importante quanto o Brasil. Mas que nos surpreenda e que faça imediatamente logo após a festa uma reunião de trabalho. Trace metas para 2015 em diante. Nós brasileiros continuaremos aqui, na planície da vida diária, pagando impostos e torcendo por uma vida melhor.

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